Ovelha Negra [Completa]

Capítulo 29 - A lutadora

  Kara estava entediada, contando os minutos para a última aula da manhã acabar, seu cérebro exausto já não sabia mais a diferença entre cateto oposto e cateto adjacente, e olha que a cinco minutos atrás era uma diferença óbvia. Pra se distrair e suportar a tortura ela puxou disfarçadamente o celular, se fosse pega usando ele seria levado ao diretor Garcia e não seria ela a ter que ir buscar. Tragédia na certa.

  Entrou no Twitter, postou algo sobre sextos horários e aulas de matemática, depois migrou para o Instagram. Sua última foto já ultrapassava as quinhentas curtidas, nenhuma novidade pra ela, a garota era bonita, fotogenica e popular, se postasse uma foto do céu seria super admirada. Enquanto rolava as imagens antigas do próprio perfil Kara encontrou uma em especial que chamou sua atenção, era ela e sua ex-melhor amiga.

  Kara e Aurora estavam em uma mesa do bumerangue tomando grandes milk-shakes, obviamente a foto das duas beldades do Órion havia feito o maior sucesso. Ela também se lembrava daquele dia, apesar dele ser como todos os outros, ela se lembrava.

_Você viu como a Rafaela combinou aquela sombra com o batom? Ridículo, alguém deveria falar para ela -a garota Gouveia estava na sua usual tarefa dos tempos livres, olhar as redes sociais em busca de notícias do fim de semana, a mais recente era sobre a festa no último sábado na casa de Vini

_Nem se ela nascesse de novo saberia como andar por aí sem parecer uma palhaça de circo- Aurora completou com um sorriso de escárnio, a única coisa que ela sabia melhor do que moda era criticar- isso sem falar que ela beijou aquele garoto do segundo ano.

_O que usa perfume como desodorante? -Kara se virou assustada depois de salvar a foto da garota de gostos peculiares

_Algum outro teria coragem de beijar aquela boca? -Aurora indagou girando o canudo no líquido espesso- Se bem que metade de Fontana já beijou aquela boca -concluiu pensativa. As duas amigas se entreolharam antes de caírem na gargalhada- às vezes eu me pergunto o que leva as pessoas a serem tão ridículas, é a falta de senso ou de amor próprio? -questionou por fim tomando uma boa quantidade do líquido marrom

   Elas adoravam aquele programa, sentar na lanchonete, pedir algo e conversar sobre tudo e todos. Fazia parte da conexão que tinham, era até anormal duas pessoas tão parecidas. Para Kara, Aurora era sua metade, as duas davam mais certo do que qualquer um era capaz de supor, se apoiavam, se amavam, unidas para sempre. Então a amizade acabou e elas se tornaram inimigas, sem mais.

  Kara olhou para a cadeira da frente, a primeira da fila do canto onde a abelha rainha havia voltado a se sentar após tantos anos. Como se sentisse os olhos escuros e intimidantes virados em sua direção, Aurora olhou para trás, os olhos castanhos claros se prenderam a morena por um segundo, depois se viraram para a frente como se ela não existisse. O sinal tocou e não importava mais o sentimento que apossou Kara naquele instante, finalmente estava livre da aula.

  A garota entrou no corredor e seguiu em direção ao banheiro, tinha que jogar uma água no rosto para perder toda aquela cara de sono. A última coisa que precisava era que seu pai a castigasse por dormir nas aulas. Quando jogou a água gelada no rosto, Kara até se esqueceu da maquiagem que passava todos os dias, só se deu  conta do estrago ao ver a máscara para cílios borrada por suas bochechas. A imagem que se refletiu no espelho, de uma Kara cansada e manchada de preto, remeteu uma mesma garota, naquele mesmo banheiro, refletida no mesmo espelho há uns três anos atrás.