Sobre a autora
LKMazaki é o pseudônimo de uma escritora de ficção-científica e fantasia natural de Manaus e com recém-completos 30 anos. Vive há uma década em Porto Alegre e nunca fica reticente diante de desafios. Traz sua contribuição para a coletânea no intuito de experimentar uma temática inédita para si, a Ficção Histórica, e também para falar de um de seus assuntos preferidos: a história da cultura lésbica japonesa no Século XX. A temática lésbica está presente em seus trabalhos, sejam eles obras sobre o cotidiano, robôs, sociedades espaciais ou distópicas. Seus trabalhos podem ser encontrados em: https://lkmazaki.com.
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1919 — Asakusa, Japão
A primavera da minha vida foi tomada pelo frio do outono na virada daquela estação. As folhas tornaram-se secas e dentro de mim a inquietação crescia como presságio mórbido do que nem poderia imaginar.
Não poderia dizer isso a ela. Não para Eiko. Seu sorriso tinha um brilho e calor tão intensos que jamais desejaria ofuscá-lo.
Porém aquela já era uma batalha perdida para minha vontade:
― Kaoru-chan? ― chamou a voz tão suave e doce que por si só iluminava o mundo. Até então eu estava com o olhar perdido, fintando o pátio da escola. As outras alunas chegavam, a maioria em pares, para mais um dia de lições na nossa nobre escola.
― Eiko-chan, muito bom dia ― cumprimentei à moda formal. O rosto delicado e tão feminino de minha grande amiga estava voltado na minha direção. Seus olhos expressavam a nota de consternação que se traduziu em palavras:
― Está tudo bem?
O vento trouxe o ar frio para o corredor. Um arrepio me passou pelo corpo inteiro, quase doloroso:
― Eiko-chan... Será que.... Você pode vir comigo à sala de música?
As íris de Eiko refletiram com intensidade a claridade do dia. Sua expressão ganhou tons suaves, mas carregados de emoção. Ela desviou o olhar:
― Claro, Kaoru-chan.
Com a inauguração do segundo prédio de aulas, as antigas salas de música e teatro tinham sido abandonadas. Não soaria bem que uma escola de tanto prestígio na classe média de Asakusa, voltada para a perfeita educação das filhas das mais importantes famílias, reutilizar instalações antiquadas tendo tantos recursos. Fora sabendo disso que eu e Eiko tínhamos escolhido a sala de música como nosso esconderijo particular. Um espaço pequeno, tomado de antigos móveis ali depositados, mas um lugar de imensa importância para nós. Ali, e apenas ali, não seríamos julgadas por nossa amizade.
A porta se fechou com um clique suave por dentro. A luz do dia entrava pelas brechas da cortina de tecido amarelo. Tudo estava parado, estático, mas dentro de mim a tempestade já tinha começado há muito tempo.
Abracei Eiko, envolvendo seu corpo tão magro e frágil em meus braços. Ela não resistiu, mas sim apoiou-se contra mim. Seu rosto em meu ombro, nossos corações tão próximos quanto poderiam ser. Eu podia sentir o coração de Eiko tão nitidamente quanto o meu próprio. O calor da sua pele... o cheiro de lírios dos seus cabelos... sua respiração pontuada por suspiros mínimos...
― És tão preciosa, minha querida Eiko ― falei num sussurro quase trêmulo. Uma nota entre a dor e a alegria escapou dos lábios da minha amiga.
― Kaoru-chan... Eu...
― Por favor, não diga nada agora...
Tão próximas.... Tão próximas.... Sentia como se nossas almas estivesse se misturando em uma única:
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Coletânea Lesbohistórica
RomanceNos últimos meses, várias autoras reuniram para escrever contos situados em diversas épocas e lugares da História. A única exigência: que tivesse um casal lésbico. O resultado você encontra aqui.