Eu o conheci na escola, na época que estudava em um colégio particular. Bom, minha família nunca teve muito dinheiro, mas desde pequeno, assim que entrei no antigo maternal minha professora disse a mamãe que me colocassem uma escola melhor, porque, segundo ela, eu era um garoto acima da média. Não em estatura, lógico. Ainda comecei os estudos um ano mais novo do que deveria. Segundo a minha mãe, eu pulei um ano porque já estava alfabetizado, só não sei quem me ensinou a ler e a escrever. Sempre tive em mim que sou auto didata nisso, ou talvez só tenha me convencido porque quero parecer mais inteligente.
Então, tinha a história do banheiro. Os garotos sempre iam lá para fazer "enchirimento". Termo estritamente nordestino, mas todos devem saber ao que estou me referindo. Eu gostava disso, talvez até demais. Principalmente quando aquele garoto específico me agarrava por trás.
Ele era uma peste! Um dia, jogou um sapato na cara da diretora e tomou uma suspensão. Só não foi expulso porque, como eu já falei, era uma escola particular e mesmo sendo um capeta a diretora não queria perder alunos. Sua pele era moreninha, queimada de sol, seus cabelos eram soltos em um tom escuro amarronzado e ele tinha uma pinta ao lado da boca. E que pinta. Acho que Edu foi o meu primeiro namorado. Apesar de nos pegarmos com outros garotos eu sabia que era o preferido dele. Deveria ser por conta da minha inteligência, coisa que ele não tinha, afinal, era uma peste e nunca prestou atenção na aula.
Às vezes a mãe dele ia até minha casa, porque precisava ajeitar as unhas ou os cabelos com a minha, que era cabeleireira, e foi aí que, aos poucos, fui notando uma diferença no comportamento do meu amigo/namorado... ele estava mais fechado e triste. Nossa, com o tempo, o garoto de transformou completamente! De um demônio para um um sujeito educado. Só não era culto porque, como já foi dito, não tinha inteligência, mas isso o deixou ainda mais lindo e admirável.
Seus olhos sempre reluziam ao me ver, ele gostava bastante da minha companhia, isso eu podia perceber. Não lembro bem, mas acho que foi em uma dessas idas a minha casa que demos o nosso primeiro selinho. Nunca tinha ficado tão perto daquela pinta do lado da boca dele. E acho que nunca superei o fato de não termos nos transformado em algo sério na adolescência.
Por ironia do destino, mais de dez anos depois, acabei me mandando pra mesma rua que ele. Já éramos quase adultos, ele visivelmente mais velho do que eu. Acredito que fez direito e ganhou da mãe um carro vermelho. E como estava lindo! Os cabelos ainda eram iguais, o mesmo corte de quando era um garoto. As únicas coisas que percebi de diferente foram o jeitão de boy e o olhar triste. Eu queria muito acalenta-lo, dizer que entendia ele e que o admirava (mesmo sem saber exatamente o que via de admirável nele, além da sua pinta).
Um dia nos cruzamos em um beco, próximo à minha casa. Era uma ruela bem estreita ao lado de uma pequena venda, então foi impossível não nos olharmos. E ele me viu. Olhou bem dentro dos meus olhos e deu um sorriso. Que dentes! Que boca! Eu queria tê-lo puxado e dar um beijo bem ali. Não o fiz porque não sou do tipo que força nada e nem tenho coragem pra dar em cima de ninguém (a não ser on-line). Aqueles lábios esticados traziam uma mensagem: eu lembro. Ele não esqueceu... das vezes que brincávamos na escola e ele me abraçava por trás ou de quando foi na minha casa, segurou minha mão e me deu aquele selinho. Do quando gostávamos da companhia um do outro, apesar de não falarmos quase nada e só brincarmos de imitar os personagens do Dragon Ball Z. Éramos quase um casalzinho. Ele realmente não esqueceu. Ainda soltou um "oi" que eu só respondi depois de dar uns três passos à frente. Fiquei muito anestesiado com o sorriso dele para falar tão rápido. Não nos vimos mais desde então.
Eu mudei de cidade e comecei a viver como um adulto. É bobo pensar nessas coisas da infância, acho que estou consumindo muito conteúdo LGBT ultimamente. Veio daí a inspiração para escrever essa história. Eu acho que sei o que fez ele prestar atenção em mim naquele dia... foi o fato de eu já ser livre e assumido. Apesar de ainda não ter transado com um cara, mas em mim eu já sabia que era gay, sempre soube, desde criança. Eu não sei o que o Edu era, só não estava feliz. Isso, sem sombra de dúvidas estava estampado nos seus olhos.
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Conflitos Internos da Cabeça de um Homossexual
Historia CortaCrônicas homo depressivas.