Caderninho fresco

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Quando era adolescente, costumava ter um caderninho. 

Talvez muitos adolescentes de hoje em dia não saibam, mas antigamente se escrevia em segredo. Algumas pessoas, como eu por exemplo, tinham uma necessidade de guarda-los do resto da humanidade. Hoje em dia se posta tudo no Instagram, Facebook, Twitter. Já existia internet no tempo do caderninho, mas era coisa pra gente rica. 

Ele era lindo, muita gente personalizava a capa e você podia escrever o que quisesse nele, qualquer coisa! Para eu que nunca tive irmãos, era menos arriscado alguém espiar. Mas eram as meninas que possuíam, se você fosse machinho e escrevesse em algum lugar as coisas do seu coração seria imediatamente taxado de bixinha. 

O meu era lindo, escrevia muitos poemas nele... na verdade eu já tive vários! Gostava de capa preta, porque era mais discreto. Eu podia levar para os lugares e ninguém perguntaria "o que é isso aí debaixo do seu braço?", pois julgavam instantaneamente que fosse uma bíblia. 

Crianças, antes esse texto tipo de texto era segredo e os que os escreviam só partilhavam com seus melhores amigos! Jamais com pessoas da sua família! Eu já li o da minha prima uma vez escondido e tinha apenas nomes de meninos que ela já ficou. Nada interessante. Eu via o das minhas amigas, quando elas deixavam e a maioria deles tinha as mesmas coisas: cheiro de perfume floral, folhas amareladas, nomes de meninos e pessoas que elas beijaram, muitos corações e carinhas felizes. Era o mundinho de cada uma delas, eu amava entrar dentro dele. 

Um belo dia, quando eu não estava em casa, a minha prima descobriu o meu e ficou encantada. Pediu um deles pra mim e eu dei. Nunca fui apegado a nenhum deles. Também eu não assinava poemas e todos os meus segredos estavam criptografados (sim, eu inventei um alfabeto para esconder algumas coisas e esses eram os passwords do meu tempo). Hoje eu não tenho nenhum deles. Não sei o que aconteceu, devem ter se perdido depois das muitas mudanças que eu e a minha mãe fizemos. 

Nesse tempo meninos não eram muito interessantes para mim, nem meninas. Eu não entendia muito bem esse interesse que todo mundo tinha a respeito do amor (apesar de escrever poemas). Até que eu descobri, aos meus 16 anos, que estava apaixonado por um garoto da escola. Eu sentava no intervalo e ficava encarando ele e quando me toquei que ele olhava também pra mim... Foi incrível, eram sensações novas. Quase como quando tive o meu primeiro orgasmo, também não entendia a empolgação dos outros com relação a masturbação, "que coisa boba", pensava eu, "ficar chacolhando a piroca pra lá e pra cá". Meus amigos diziam que era incrível! Até que um dia senti. E realmente era tudo aquilo que eles disseram. 

De lá pra cá eu nunca parei de me apaixonar e me masturbar. Mas o caderninho ficou de lado, eram muitas novidades e a maioria das minhas sensações eram muito difíceis de registrar. "Vai que alguém descubra que eu penso isso sobre os meninos", pensava sempre. Daí parei de escrever. 

Revendo alguns amigos do passado no tempo da faculdade, um deles me disse, lembrando de quando brincávamos juntos na infância: "Paulo, você lembra do tempo que você escrevia poesia? Você sempre aparecia com um poema novo e perguntava o que eu achava, você ainda escreve?". Não, eu não lembrava. Eu havia esquecido completamente a sensação de escrever. Será que era por isso que eu era uma criança tão feliz, apesar de viver uma porcaria de infância? Logicamente, sempre fui apaixonado por leitura, mas a escrita... é algo libertador. É quase como se você pintasse em linhas as suas ideias, o seu espirito, as suas emoções. Tudo é possível! 

Acho que eu lembro porque eu parei... me perdi em linhas tortas. Os caminhos que eu percorri até aqui nunca me permitiram ser "eu". Hoje vivo feliz, tenho uma casa, um marido que me ama, um emprego que eu gosto. Posso também reescrever as partes ruins?

Conflitos Internos da Cabeça de um HomossexualOnde histórias criam vida. Descubra agora