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Acordei com meu pai me chamando. Seu olhar triste e sua expressão cansada me mostraram que ele dormiu tão mal quanto eu. No dia anterior, alguns homens do rei tinham feito uma visita para saber meu nome e me avaliar, e eu tive uma sensação ruim quando o homem mais bem vestido entre eles me elogiou. Essa sensação me acompanhou enquanto eu tomava banho, colocava a minha melhor roupa (um vestido azul de segunda mão e sapatos pretos gastos) e tentava dar um jeito nos meus cabelos volumosos. A sensação continuou comigo enquanto eu seguia para a praça no meio do vilarejo, com o braço direito entrelaçado com o de meu pai, o medo corroendo minha alma, meu coração. Meus batimentos aceleraram quando o mesmo homem pomposo que me dirigiu um elogio subiu no palco improvisado montado no meio da praça e pigarreou. Eu respirei fundo tentando conter a ansiedade e meu pai apertou meu braço carinhosamente. Todas as mulheres entre 18 e 28 anos estavam reunidas ali com seus familiares, aguardando, se preparando para ouvir as palavras do homem. Algumas já choravam de terror e tristeza, outras estavam visivelmente nervosas, outras apenas um pouco preocupadas e algumas entediadas. O silêncio imperava. O homem pigarreou mais uma vez e se aproximou mais da beirada do palco.

--- Bom dia a todos. --- Ele começou um tanto nervoso. Era um homem baixo, barrigudo e calvo. --- A pouco mais de 500 anos, nossos ancestrais travavam uma guerra sangrenta e sem fim contra os terríveis e poderosos vampiros. O número de humanos mortos apenas crescia enquanto a guerra se deflagrava pelo país. Para cada vampiro que matávamos, vinte de nossos homens morriam nas mãos dos inimigos. Um verdadeiro massacre. --- todos nós já conhecíamos aquela história. Era contada e recontada por gerações, e relembrada com mais detalhes a cada dez anos. Naquela mesma data. --- Em um ato de desespero, uma estrategia foi montada para que alcançassemos a vingança por tantas mortes. Um exercito marchou para os campos de batalha para guerrear e distrair os inimigos, enquanto outro, maior e mais bem treinado, marchou para a fortaleza dos vampiros, onde as femeas, denominadas por eles como Noivas, mais preciosas e mais raras, estavam escondidas. Quando o exército de vampiros voltou vitorioso para sua fortaleza, encontraram apenas um quinto das Noivas ainda com vida. --- o homem fez uma pausa dramática. --- Nunca, em toda a historia da humanidade, enfretamos tamanha fúria. Os clãs que até aquele momento estavam neutros, se juntaram aos outros clãs na guerra formando o maior exército da história, e como ovelhas enviadas ao matadouro, nossos exércitos foram quase que completamente dizimados. Antes que os vampiros alcançassem nossas cidades indefesas, o rei da época conseguiu acabar com a guerra ao assinar o Tratado de Paz. Desde então, a cada decada, nós entregamos uma mulher de cada vilareijo aos vampiros, como nossa parte do acordo exige. Essas mulheres, as mais belas do país, serão enviadas para viver com eles, e passarão por um processo de transformação para se tornarem suas noivas, já que nós praticamente acabamos com todas.

Ele parou de falar quando um soldado se aproximou e entregou um papel para ele. O homem leu, assentiu e voltou a encarar as desenas de mulheres reunidas.

--- Ontem, --- ele prosseguiu. --- meus companheiros e eu passamos em cada casa, avaliando cada moça entre 18 e 28 anos deste vilarejo para escolhermos a mais bela. Para escolhermos aquela que será entregue para os vampiros, assim como exige o tratado, e assim como temos feito a 528 anos. Desta vez, a escolha da mulher mais bela foi difícil, mas conseguimos chegar a uma decisão.

Eu fiquei imóvel. Quase nao conseguia respirar, aquela sensação ruim apenas aumentando e aumentando a ponto de me sufocar, sugando o ar de meus pulmões.

--- Respire. --- Meu pai murmurou em meu ouvido, ainda segurando meu braço com firmeza. --- Mantenha a calma.

O homem pigarreou mais uma vez após ler o papel novamente.

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