Três

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--- Fui enviada para levá-la até o Grande Salão. Venha comigo. --- uma mulher baixinha e gorducha resmungou quando eu abri a porta.

Ela saiu andando pelo corredor sem olhar para trás. Tomei fôlego, fechei a porta e a segui. Manter a postura com aqueles sapatos horríveis era um esforço monumental que eu tentava fazer para não andar parecendo um pato. Tropecei três vezes com aqueles sapatos durante o caminho luxuoso até pararmos diante de duas portas enormes de carvalho branco e eu agradeci aos deuses por ninguém além da gorducha presenciar isso. As portas estavam entalhadas com a imagem de uma árvore gigantesca, com as folhas revestidas de ouro. O símbolo da coroa. Era magnífico.

A mulher fez sinal para os dois soldados parados na frente das grandes portas e eles as empurraram, abrindo passagem para o Grande Salão.

O Grande Salão era realmente grande. Era três vezes maior do que a praça do meu vilarejo. O chão era de mármore branco tão limpo que eu conseguia ver meu reflexo na pedra. As paredes tinham sido pintadas num tom de verde mais vivo do que o do quarto em que eu estava, e janelas imensas e duas portas de vidro ocupavam as paredes leste e oeste. Os últimos raios de sol do dia transpassavam os vidros e manchavam o ambiente com sua luz. Um tapete verde como grama e com bordas douradas se estendia desde as portas pelas quais entramos até a extremidade oposta do Grande Salão, onde um trono --- de ouro e pedras preciosas verdes como esmeraldas, malaquitas e atacamitas --- se erguia sobre um altar de 5 degraus de altura. Dezenas de guardas estavam espalhados em lugares estratégicos.

Sentado no trono, estava um homem de meia idade, forte, de pele bronzeada e olhos escuros, com uma coroa de prata e esmeraldas sobre a cabeça. O rei. A sua direita uma bela mulher loira, poucos anos mais jovem do que o rei, estava de pé em um vestido dourado lindo. Uma coroa pequena e delicada se encaixava perfeitamente no penteado sofisticado. A rainha. A esquerda do rei estava um homem jovem, de aparentemente 20 anos, muito parecido com a rainha, porém com os olhos atentos como os do rei. O príncipe.

Eu nunca me importei em decorar os nomes dos monarcas, e não seria agora que eu me daria ao trabalho.

Outras mulheres estavam espalhadas pelo salão, todas lindas e bem arrumadas. As outras Escolhidas. Eram 19. Dentre estas, duas chamaram a minha atenção. Provavelmente eram mestiças assim como eu, mas filhas de povos diferentes daquele que eu descendia. Uma delas tiha o cabelo laranja como fogo, que descia em ondas pelas costas, a pele pálida com sardas e olhos âmbar. Seus seios eram enormes. Outra tinha os cabelos mais escuros do que os meus, porém lisos, a pele era mais clara do que a minha porém mais escura do que a das outras mulheres. Os olhos eram tão escuros quanto os cabelos e ela possuía tantas curvas quanto eu. Eram lindas. E no meio de uma multidão de mulheres de pele como porcelana e cabelos loiros ou castanhos, nós nos destacávamos.

A mulher gorducha começou a andar pelo tapete enorme e eu a segui. Paramos poucos passos diante do altar e ela se curvou em uma reverência profunda. Sem saber ao certo como me comportar, eu a imitei. Quando ela se levantou eu fiz o mesmo. Nunca imaginei que um dia estaria diante do rei, então nunca me importei em saber como me comportar em sua presença.

--- Como me foi ordenado, esta é a última que faltava, meu rei. --- A gorducha disse mantendo a cabeça baixa e os olhos no chão.

--- Muito bem. Pode ir, Mara. --- A voz do rei era grossa e suave. A gorducha fez mais uma reverência e saiu. Eu permaneci onde estava, ainda de cabeça baixa. --- Como você se chama?

--- Eu me chamo Ully, majestade. --- minha voz estava incrivelmente firme. --- Ully Litcon Surion.

--- Você é estrangeira? --- a rainha perguntou. Poderia ser impressão minha, mas senti um leve tom de desprezo em sua voz.

--- Sou sim, assim como minha mãe. Porém meu pai nasceu e cresceu em um dos vilarejos do Norte, onde ele me criou. --- eu não sabia se também deveria chamar a rainha de majestade. Sequer sabia se o rei era chamado assim. Eu não me importava.

--- Olhe para mim. --- o rei ordenou e eu obedeci. Encarei aqueles olhos profundos que, de alguma maneira, me lembrava os olhos de meu pai.

--- Magnífica. --- o príncipe sussurrou atraindo olhares da rainha. Seus olhos percorreram cada centímetro do meu corpo descaradamente e eu nunca me senti tão exposta. --- Por quê diabos deveríamos entregar uma beldade dessas àqueles monstros?

--- Cuidado com a língua, Malik. --- a rainha o repreendeu. A voz baixa, porém firme. --- Os seres dos quais fala já estão aqui, e tem uma audição excelente.

--- É um verdadeiro desperdício. --- o príncipe resmungou sem se dar ao trabalho de olhar na direção da mãe. Estava ocupado demais me despindo com os olhos.

--- De fato. --- o rei murmurou e a rainha o encarou, incrédula. --- Todas vocês, prestem atenção. --- a voz do rei se elevou quando ignorou a rainha e todas as outras 19 mulheres presentes se viraram na direção dele. A rainha passou a encarar o filho. --- Vocês foram reunidas aqui hoje para honrarem o Tratado e manter a paz. Vocês são as mulheres mais belas escolhidas dentre as mais belas de todo o reino. Esta noite, os três clãs mais fortes virão selecionar 16 mulheres entre vocês para se tornarem suas noivas, a começar pelo clã Suli, o mais poderoso dos clãs. Depois deles virá o clã Tellin e após eles, o clã Meik. As mulheres que não forem escolhidas esta noite, voltarão para seus quartos e serão trazidas aqui após três dias, que é quando outros três clãs virão selecionar suas noivas. E assim sucessivamente até que todos os 27 clãs tenham escolhido suas noivas. --- ele encarou a cada uma de nós. --- que os deuses estejam com vocês.

Como se aquelas palavras fossem algum tipo sinal, a porta se abriu e um arauto se curvou e anunciou que o clã Suli aguardava no corredor.

--- Que os deuses nos ajudem. --- a rainha suplicou em um sussurro.

--- O fardo da paz pesa sobre os ombros de cada uma de vocês. --- o rei continuou seu breve discurso. --- Honrem esse fardo. Honrem o Tratado. Honrem seu país, seu rei e seus amados.

Ele fez sinal para uma mulher, que fez uma breve reverência e parou diante do altar. Era uma mulher ingressando na terceira idade, com as rugas começando a marcarem o rosto rígido e sério. Cabelos grisalhos estavam trançados em um penteado complexo e ela mantinha a postura ereta. Era alguém importante, com certeza.

--- Agora, vocês devem formar duas fileiras de dez pessoas, cada uma se estendendo de um lado das portas. Vocês devem ficar de costas para o trono e quando o rei ordenar, vocês irão se virar e darem vinte e cinco passos para frente, na direção do rei. E então o primeiro clã escolherá seis mulheres. Vocês ficarão paradas e caladas durante todo esse tempo. As Escolhidas deverão seguir o clã e obedecer suas ordens. As 14 restantes voltarão para suas posições ao lado da portas. --- a mulher instruiu com a voz firme e alta. Ela apontou para mim, para a mulher de cabelos negros, a de cabelo de fogo e outras sete mulheres. --- Vocês ficarão do lado direito da porta. As outras ficarão do lado esquerdo. Vocês não podem gritar, chorar, esperniar, suplicar ou pedir misericórdia. Qualquer um desses atos será respondido com morte, portanto, controlem suas emoções e expressões. --- ela fitou cada uma de nós de forma intimidadora. --- vão.

Como uma, nós nos movemos para as nossas posições, e eu fiquei entre as duas mulheres exóticas. A de cabelo de fogo ficou a minha direita e estava com a respiração estranhamente profunda. A outra estava a minha esquerda, aparentemente calma e sem expressão.

--- Seu cabelo é lindo. --- ela sussurrou inclinando a cabeça na minha direção. Eu não consegui pensar em uma resposta.

--- Diga que elas estão prontas. --- o rei ordenou ao arauto, que fez uma reverência e saiu.

--- Não abaixem a cabeça para eles. --- ouvi a ruiva sussurrar e suas palavras fizeram todos os pelos do meu corpo se arrepirem.

Quando dei por mim, estava sussurrando de volta enquanto encarava a parede verde:

--- Apenas nós decidimos o que pode nos destruir.

--- E malditos sejam os deuses e esse Tratado ridículo. --- a de cabelos negros respondeu.

E então as portas se abriram.

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