--- Como você se chama? --- Ári me perguntou no fim do café.
Durante todo tempo, Ári e as outras duas nos trataram com certa simpatia, mas não fizeram nenhuma pergunta ou tentaram nos incluir realmente nas conversas. Eu consegui comer apenas um pão doce e beber um copo de suco de maçã que provavelmente estavam deliciosos, mas com minhas preocupações e incertezas eu não registrei o sabor. Com a atenção de Ári fixa em mim, meu coração acelerou e eu engoli em seco.
--- Ully. --- Eu respondi, ainda com medo de eles saberem o nome de minha família.
--- Sobrenome. --- ela exigiu e eu tentei não estremecer.
Não queria dar o nome de minha família para eles. Eu não sabia praticamente nada sobre aqueles seres sentados à mesa, quem poderia me garantir que eles não iriam, através de meu nome, chegar até meu pai e fazer mal a ele para me chantagear ou apenas me torturar ou qualquer coisa? Afinal, pra quê mais ela iria querer saber meu sobrenome se não fosse para saber minhas origens? Eu engoli em seco e permaneci em silêncio. Alguns contos antigos sobre vampiros vieram para minha mente e eu me lembrei que uma vez ouvi que, se um vampiro soubesse seu nome completo, ele seria capaz de conhecer todos os seus medos e te torturar, assombrando seus sonhos até que você enlouquessesse e tirasse a própria vida.
Naquele momento, eu não sabia se esses contos eram verdades ou não, mas eu não me importava com o que poderia acontecer comigo. Eu me preocupava com meu pai. Afinal, depois do que Ári disse no início da manhã eu perdi toda e qualquer esperança de sobreviver ao Despertar. Se ninguém sobrevivia a mais de cinquenta anos, por que seria diferente agora? Não me restava muito tempo, de qualquer modo.
--- Me diga seu sobrenome, Ully. --- Ári disse em um tom mais calmo, mas sem perder a autoridade.
Mas eu me recusei a falar. Se ela me matasse agora, eu conseguiria evitar a dor da Transição, que provavelmente me mataria muito lentamente. Eu larguei os talheres sobre a mesa, me encostei no encosto da cadeira estofada com as costas eretas e sustentei seu olhar penetrante e intimidador com o máximo de coragem que consegui reunir. Todos na mesa ficavam olhando para nós. Ela se recostou no encosto de sua cadeira, me imitando, suspirando rápida e profundamente.
--- Eu não sei que tipo de besteiras o seu povo inventou sobre nós, mas garanto que não vou lhe fazer mal. --- Ela falou com impaciencia. Provavelmente ela não estava habituada a ser contrariada ou desobedecida. Seu tom de voz suavisou com as ultimas palavras. --- Te dou minha palavra.
Mas eu não confiava nela. Não a conhecia o suficiente para saber se tinha palavra. Quando viu que eu não iria responder ela suspirou com raiva e tentou uma outra abordagem.
--- Você tem o sobrenome "Litcon"?
Eu pensei a respeito. Litcon era um dos meus sobrenomes, mas não pertencia à meu pai. Herdei ele de minha mãe, que morrera antes que eu completasse três anos de vida. Meu pai não tinha esse sobrenome, portanto não tinha como chegarem a ele. Pensei por mais alguns segundos e balancei a cabeça em confirmação. Pensei ter visto os olhos dela brilharem como fogo por um instante.
--- Você é uma mestiça. --- Não foi uma pergunta, mas eu ergui o queixo ao responder.
--- Sim.
--- Qual é o outro povo do qual descende?
Por quê todas aquelas perguntas?
--- Um dos povos do outro lado do mar do leste. --- respondi ainda de cabeça erguida.
Meu pai me ensinou a ter orgulho da minha cor e do povo de minha mãe, mesmo sem me dizer muito sobre ele. Mesmo que isso me rendesse uma briga, eu não deveria ter vergonha de meu povo, pois isso mancharia a memória de minha mãe com desonra. Ter vergonha do povo de minha era ter vergonha de minha mãe e isso era inaceitável. Como filha dela, eu deveria defender a honra do povo que metade de mim pertencia e, indo contra os costumes de Seu povo, ele me ensinou certas coisas para que eu não saísse tão machucada no processo.
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Ully - O Despertar
Fantasy"Quando ouvi meu nome ser chamado naquele terrível dia, eu senti medo como nunca antes. Vi todas as minhas esperanças de ter uma vida melhor sumirem como água descendo por um ralo e eu soube que talvez nunca mais voltaria a ver minha família. Mas qu...