1. A NOTÍCIA

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Já fazem duas semanas. Não recebi nenhuma notícia, e isso começa a me preocupar. Não me disseram nada quando terminei, mas pelos rostos chocados, parecia ser um bom sinal. É um bom sinal quando ficam chocados, não é?

Pelo menos, eu achei que fosse.

Não pude ficar o bastante para descobrir, se meus pais soubessem onde eu estava, eu não estaria viva agora, saindo de dentro da geladeira com mais um pote de sorvete repleto de balas azedas e chocolate. Provavelmente, se não dissesse que estou doente para esconder a tristeza, também não estaria sentada no sofá para assistir a mais um episódio de uma série criminal.

O pior é que, por causa de toda essa ansiedade, estou tendo problemas ainda maiores pra controlar o fogo. Nunca foi muito fácil, mas com treino e paciência, conseguia manter sob controle de algum jeito. Mas agora, já perdi vários edredons por acordar pegando fogo no meio da noite. Além de não precisarmos mais do aquecedor, já que minha temperatura está sempre acima da média, e faço todo o ambiente esquentar como numa sauna. A prova está no sorvete que acabei de pegar, já está quase inteiro derretido como um Milk Shake.

No começo, esperava balões, festa, uma comitiva vindo me buscar pelo portal que passei. Mas agora, um gato com uma carta já seria o bastante. Ou, como já estou pensando a alguns dias, deveria apenas aceitar o fato de que não sou boa o suficiente para Aurora, e o que eu devia fazer é aceitar que viverei minha vida aqui, para sempre.

O barulho da campainha me acorda de meu devaneio, e eu pulo do sofá, correndo até a porta. Na minha cabeça só passa a frase: Eu consegui. Várias e várias vezes.

Bom. Poderia ser, se gatos fossem altos, com cabelos âmbar perfeitamente arrumados na cabeça, cheios de gloss labial e tivessem os olhos vidrados no celular. Antes claro, de desviá-los para mim.

- Oi, Emi... – A decepção é óbvia na minha voz, e Emily percebe.

- Oi, querida amiga. Também fico feliz em ver você! – Ela diz, num tom sarcástico. E fechando a porta atrás de si, me segue até a sala de estar. – Ainda não deram notícias?

Minha resposta é um balançar negativo da cabeça, soltando um suspiro alto.

- Parecia que eu tinha ido tão bem! Você tinha que ver como eu arrasei naquele salão, mas mesmo assim... – Com outro suspiro frustrado, encho a boca de sorvete voltando a falar. – Achei que não demoraria nada pra me aceitarem. Achei que chegaria em casa com a notícia pronta! – Dou uma pequena pausa para choramingar. – Não fui aceita. É isso! Tenho que aceitar que vou viver aqui para sempre, sendo diferente e sem conhecer meu mundo natural.

Emily ri da minha desgraça. Ela é a única que sabe o que fiz, me ajudando com a mentira aos meus pais. Afinal, passar quase um fim de semana inteiro fora não está na lista de coisas que eles me deixam fazer. Para todos os efeitos, fomos acampar.

- Não precisa se preocupar. Você treina desde o que...? Desde que aprendeu a andar e falar? – Isso me faz rir. Não que ela esteja errada.

- Pelo meu pai, e poderia ter começado ainda antes.

- Viu! E você lembra o que ele disse, não lembra?

- Que o fogo é um dos mais raros elementos hoje em dia.

Como sempre, me sinto melhor. Com um sorriso fraco, ela me abraça, mais como desculpa para pegar o controle e se apossar da TV. Ela reclama do que assisto, e se apressa em mudar para um filme que ela chama de bom.

Conheci Emily no jardim de infância, quando meus pais decidiram que, uma vida normal de escola e pessoas normais poderia me ajudar. E também, porque claramente estavam preocupados com a mobília que vivia chamuscada ou completamente queimada, deixando apenas a marca preta como lembrança de sua existência.

Beijada pelo FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora