Começamos a fazer as malas quase no mesmo instante. A preocupação e desespero em meus pais era óbvia demais, como se eu tivesse jogado uma bomba no meio do quarto. Eles saíram em disparada, desferindo ordens um ao outro e a mim.
- Eu vou ligar agora para Mackenzie, precisamos de transporte. – Disse minha mãe, já saindo do quarto.
- Scarlet... – Meu pai começou, perdido no quarto, olhando em volta até achar a mala dentro do closet. – Pegue o necessário. Não precisa de muito, o que faltar compramos depois... Por que essa porcaria não entra?
Em suas mãos, um monte de roupas desdobradas, ainda em cabides eram forçadas para dentro da mala preta. Um presente, para uma viagem de formatura que fiz com Emily. Duas semanas na Itália. Como voltar aqueles tempos?
- Pai! – Eu chamo, me aproximando dele e tirando as roupas de suas mãos. Se fosse contar, não teria nem 5 peças, mas daquele jeito, era volume demais. – Tudo bem. Pode deixar que eu arrumo aqui, mamãe deve estar precisando da sua ajuda.
Ele hesita, não quer me deixar. Os dois estão assim. Apesar de achar que não percebi, vi o olhar da minha mãe quando deixou o quarto, sem palavras conversando com meu pai. Eu conheço aquele olhar. Conheço porque tenho o mesmo olhar com Emily, e mesmo sem querer admitir, com Chris.
"O necessário", ele disse. Nem sei para onde vamos, como posso saber o que é necessário? Tiro todas as roupas inúteis que meu pai tentou enfiar na mala, e os cabides fazem barulho ao cair no chão. Roupas não são minha necessidade, como meu pai mesmo disse, podemos comprar novas. Provavelmente, nem preciso da mala também.
Atravesso o quarto, na única coisa que me da segurança além das chamas, talvez até mais. As adagas postas num espaço apenas para elas. Tem mais no porão, adaptado como sala de treinamento. Mas essas são especiais. Tem o peso perfeito, o equilíbrio necessário, fáceis de esconder nas roupas e, acima de tudo, são como uma extensão de mim, das chamas vivas em minhas veias.
Eu pego uma delas agora, testando o cabo em meus dedos. O alvo está do lado oposto da parede em que ela estava pendurada. Eu balanço a lâmina em minha mão, testando o peso. A voz do meu pai vem em minha cabeça, como se estivesse ao meu lado como sempre esteve em meus treinamentos.
Sinta a adaga, ela diz. Seja a adaga. Imagine. Centralize. Faça.
E assim eu o faço. Afasto o pé esquerdo atrás, o corpo em perfeito equilíbrio, e então giro o pulso. A faca voa de meus dedos, e num baque seco, atinge o alvo.
É delas que preciso, mais que roupas e sapatos.
Ele deve ter ficado mais silencioso, ou eu estou tão imersa em meus próprios pensamentos que não ouço os passos se aproximarem.
- Belo arremesso. – A voz invade o quarto, e ao me virar, lá está Chris.
Os braços cruzado sob o peito, os cabelos loiros bagunçados com fios rebeldes caindo na testa. Não que ele se importe. A típica jaqueta de couro preta está em seu corpo, acompanhada dos jeans e as botas de motoqueiro. O bad-boy que se formou ao longo dos anos. Seus olhos claros estão fixos em mim.
- O que faz aqui? – Pergunto. Meu tom é ríspido. Não é como se pudesse ser diferente.
Silêncio.
Chris permanece encostado no batente da porta. De onde está, observa o quarto. A cama desarrumada com o edredom chamuscado ainda lá. As roupas jogadas no chão e a mala vazia, a adaga no alvo, as outras ainda penduradas ou postas em cima da mesa e então, eu. Ele parece hesitante mesmo em olhar para mim, não consegue se aproximar. Com medo de quebrar a bonequinha de porcelana que ele protegeu por tanto tempo. Está como meus pais, e isso me irrita ainda mais. A raiva arde em mim, e eu me viro de costas, indo até a adaga fincada no alvo primeiro.
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Beijada pelo Fogo
FantasyScarlet cresceu ouvindo histórias sobre Aurora, o lugar onde nasceu e de onde fugiu ainda recém nascida. As aventuras que seus pais viveram pareciam boas demais para não voltar agora, e com uma inscrição para a Academia Preparatória de Aurora, Scarl...