4. PROPOSTAS IRRECUSÁVEIS

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A luz incomoda meus olhos, mesmo fechados. E quando tento abri-los, sou recebida com a luminosidade diretamente em meu rosto. Minha cabeça dói, martelando como operários em uma obra. Minha visão ainda está embaçada, mas consigo ver alguém, uma silhueta vindo até mim quando reclamo, tentando me levantar, e me arrependendo imediatamente. A dor, que antes estava apenas na cabeça, se estende por todo o meu corpo, me fazendo cair de volta no mesmo instante.

- Devagar. Sem esforço. – Tem preocupação na voz que se dirige a mim, mesmo que eu só consiga distinguir quase no fim da frase.

Como se eu estivesse embaixo d'água, a voz vem embaçada como minha visão. Até que, quase simultaneamente, as duas se estabilizam, e a minha frente, a silhueta foca no rosto que queria esquecer.

Os acontecimentos antes de eu apagar vem a minha cabeça, como cenas de um filme passando duas vezes mais rápido. Lembrando, sinto minhas emoções quase tomarem conta, e meu corpo esquenta. Nas laterais do edredom grosso que me cobre, eu cerro os punhos, respirando fundo para me controlar. Evitando chorar, ou explodir. O que vier primeiro.

Chris, a minha frente, parece perceber. Mas não interfere. Se afasta alguns passos pequenos, me deixando para queimar como quiser. Ele parece hesitante. Antes conseguiu me tirar o fogo e a consciência, tudo com apenas um toque, e agora se afasta? Não sei se por estar nervosa, ou simplesmente cansada, mas não consigo encontrar sentido nisso.

Aos poucos, volto a temperatura normal. Ou melhor, a minha temperatura normal. Me descontrolar não vai me fazer voltar no tempo, ou salvar meus pais, ou ao menos levantar dessa cama.

- Por quanto tempo eu dormi? – Pergunto, me esforçando mais uma vez para me levantar, ignorando a dor que me atinge.

- Três dias.

É a única resposta que tenho. Baixa, mas objetiva. Nada além do que eu perguntei.

- E onde estamos? – Pergunto, talvez já sabendo a resposta, mas precisando de uma confirmação.

- Em Aurora. Mais especificamente no palácio.

Eu balanço a cabeça em afirmação, percebendo que na verdade, não precisava de confirmação nenhuma. Eu sabia, mesmo lá no fundo, que estou onde sempre quis, e o ultimo lugar em que queria estar no momento.

A luz que iluminou meu rosto, ilumina o quarto todo, saída de uma sacada a esquerda da cama em que me deito. Uma cama larga, maior do que o necessário. O edredom que me cobre é grosso e macio, assim como os travesseiros em que me encosto. Ao meu lado, percebo uma cortina presa ao dossel da cama, e isso se repete em todas as quatro extremidades. Todos os tecidos presos por laços dourados e luxuosos, assim como tudo no quarto.

A cor vermelha se repete bastante. Vermelho sangue com detalhes da arte barroca em preto e dourado. Está nos cobertores, na cortina e até no papel de parede. Os lugares em que não aparece, é porque é madeira. Portas, partes das cadeiras sem acolchoado, móveis. Tudo parece caro, como se tivessem vindo do século XVI, direto dos palácios de grandes reis e rainhas da época.

Minha boca está seca. E mesmo que eu consiga falar, minha garganta parece que vai rasgar a qualquer minuto. Olho em volta, e dos dois lados da cama, as cômodas estão enfeitadas com um abajur e um livro ou outro. E do meu lado esquerdo, ao meu alcance, água numa jarra e um copo de vidro também estão dispostos.

Chris até parece ler meus pensamentos, e corre até a jarra, depositando o liquido transparente no copo e me dando, com todo o cuidado do mundo. Eu bebo longos goles, esvaziando o copo em segundos.

- Não precisa me tratar como se eu fosse desaparecer cada vez que me toque. – Eu digo, olhando para o copo vazio. Quando olho para ele, seu rosto parece tenso, e o pomo de adão sobe e desce, mostrando que engoliu em seco.

Beijada pelo FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora