Beijada pelo Fogo

16. UMA MATILHA DE DOIS LOBOS

A porta se abre silenciosamente para que Lya, Clara e Alice entrem sem me acordar e, quando me veem saindo do banho de roupão e com o cabelo molhado, dou risada da surpresa estampada em seus rostos. Lya tem os olhos arregalados como se tivesse visto um fantasma, Clara parece ter parado de respirar e Alice leva a mão a boca com um suspiro.

- Bom dia, meninas! – Cumprimento me deixando cair sentada na cama.

Lya parece ter sido a primeira a cair na real. Balança a cabeça como se assim pudesse colocar as ideias no lugar e se volta para mim, começando seu trabalho.

- Scarlet, o que faz fora da cama? – Ela pergunta ainda com suspeita na voz. Demorou um pouco para se acostumar a não me chamar de "senhorita", mas agora ela faz com toda a naturalidade do mundo. Ou pelo menos finge fazer.

- Você nunca acorda tão cedo... – Interveio Clara com uma pequena ponta de incerteza em seu tom.

Eu sorrio as tranquilizando. Realmente nunca fui muito boa em acordar cedo, mas, convenhamos, tive uma longa noite dessa vez. Devo ter dormido cerca de 4 horas ou menos, e ainda assim não consigo me ver fechando os olhos novamente. O medo de ver de novo o que vi me paralisa.

- Talvez eu tenha dormido tão bem que acordei mais cedo. – Digo dando de ombros como se realmente não soubesse, mas aceitasse o fato de qualquer forma. – Como vocês não estavam, já tomei banho para adiantar, provavelmente Sophia aparecerá a qualquer hora para me levar com ela.

Elas se entreolham, talvez ainda analisando e pensando se deveriam acreditar ou não no que digo, mas não é como se tivessem muita escolha. Se pudessem saber, eu teria contado. Mas não podem.

Parecem ter chegado a mesma conclusão porque simplesmente concordam entre si e, com toda a habilidade e destreza que sempre mostraram, começam suas tarefas da manhã. Clara estende minhas roupas na cama para que eu possa me trocar, enquanto faço isso, Lya arruma minha cama. Alice dispõe meu café na mesma mesa, e sempre com fartura. Não sei se conseguirei comer hoje.

Como eu sabia que aconteceria, as batidas na porta soam no meio do meu café. Lya abre a porta e os cabelos loiros de Sophia aparecem na porta. Sua roupa é igual a minha. Hoje teremos atletismo, e eu nem sabia que essa aula poderia, de alguma forma, contribuir para alguma coisa além de aberturas, saltos e corridas. Parece que descobrirei hoje se existe algo mais.

- Bom dia, Lya! – Sophia, sempre alegre, passa por Lya e vem direto em minha direção. – Ah, eu amei suas tranças!

Hoje decidi sair um pouco do rabo de cavalo. Tinha tempo, então fiz uma trança boxeadora, pareceu adequada para a aula. Sophia, com toda a sua animação, contagia qualquer um e eu sorrio passando os dedos em uma delas.

- Obrigada! Eu amava fazê-las quando... – Paro no meio da frase.

Tenho que parar de viver no passado. Engulo em seco e Sophia, assim como Alice que está ao meu lado na mesa servindo o que eu pedi – apesar de eu nunca pedir nada por puro desconforto – também vê em meu rosto o que eu iria dizer.

- O que tem hoje para comer? Estou morrendo de fome! – Minha amiga muda de assunto, se sentando a minha frente. – Apesar que, com essas roupas, duvido que conseguirei comer muito.

Usamos calças largas nas pernas para que possamos ter movimento, mas com uma blusa colada em nosso tronco, exatamente pelo mesmo motivo. A calça, apesar de larga nas pernas, é apertada na cintura e na canela onde termina. Dando assim o movimento que precisamos sem atrapalhar se tivermos que, por exemplo, lutar contra alguém. Apesar de eu ter sérias contradições sobre isso. A camiseta, por sua vez, é apertada porque, se for larga, podemos prender nossos braços no tecido ou, em um salto mortal ou uma cambalhota por exemplo, pode esconder nossa visão e será nossa morte. Mesmo assim, não deixa de ser desconfortável.