Capítulo 19

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— Malditos sejam! Malditos! — Donato desencravava sua espada do tórax de um homem.

Devia ser o terceiro ou quarto que caía estirado ao chão. Estava sedento por vingança. Queria ver sangue, não importava se fosse de aliado ou não. Para ele, todos eram inimigos e mereciam a morte.

Uma morte impactante.

Em meio ao acampamento, ele captou o pavor nos olhos de seus homens se afastando enquanto ele avançava. Donato encurralou um deles, próximo às brasas de uma fogueira. Desarmou-o. O homem agarrou seus braços com força.

— Senhor, o que fiz? — perguntou o soldado.

— Nada! Esse é o problema! Nem você, nem ninguém por aqui, faz algo de útil! Corja de imprestáveis!

Donato arrastou-o para longe do acampamento e adentrou na floresta ao lado. O sol se pôs, de modo que a escuridão os acompanhava. Sentiu o soldado ficar mais tenso e rígido em seus braços, provavelmente imaginando para onde eles iriam. Sabiam o que o Capitão-general gostava de fazer naquela parte da floresta.

O soldado começou a chorar copiosamente, o que aumentou a ira de Donato.

— Homem fraco! — exasperou enquanto empurrava-o contra o chão.

O soldado se encolheu. Ele tremia e os soluços aumentaram. Autoritário e rude, Donato o empurrou, segurando em suas vestes até que chegassem ao local exato. Diante deles, um grosso tronco de árvore cortado rente à raiz. A madeira não tinha mais sua cor característica, mas sim um vermelho desbotado e lamacento.

— Pai nosso que estás no céu, santificado seja o vosso nome... — o homem orava em meio aos soluços.

— Imbecil! Não somos criações de Deus! — puxou o cabelo dele com força, encarando-o. — Quem nos deu vida foi o Mestre Nilton! A ele que temos que prestar culto!

O soldado não parou com as orações, tampouco Donato com os seus preparativos. Ele apoiou o torso do homem no tronco e o fez ficar de joelhos; a cabeça projetava-se para fora da árvore, deixando parte do pescoço apoiado. Quando o viu se debater, Donato pisou firme com o pé esquerdo nas costas do soldado, imobilizando-o. O próximo movimento foi certeiro e calculado. A lâmina deslizou para fora da bainha e cortou o ar. O líquido vermelho jorrou e o soldado não mais se mexeu.

Donato urrou para a floresta vazia. A voz ecoou e escutou pássaros levantarem voo, afoitos. Precisava extravasar a fúria que pulsava dentro de si. Como seu plano dera errado? Ele pensou em tudo nos mínimos detalhes! Raul descobrira o local onde estava escondido o diário G e se encaminhava para pegá-lo; mas o casal de jovens irritantes foi mais rápido!

Ele estava convicto de que o incêndio não fora mero acaso. Deviam tê-lo provocado para despistar, e o energúmeno do Conde William não percebeu que agiam bem debaixo do seu nariz. E então, eles sumiram. Não era para acontecer desse jeito. O trato que fez com o tolo Felipe não era esse. Como uma criança teve a audácia de lhe enganar?

Ele não perde por esperar. A revanche chegará à surdina na noite e, quando ele perceber, não restará vivo mais ninguém com quem ele se importe.

O capitão retirou do bolso um pedaço de tecido e se pôs, sem pressa, alimpar a lâmina. Esse gesto o acalmava, desanuviando seus pensamentos paraconseguir pensar com mais clareza. A cada movimento suave de sua mão na espada,Donato refletia sobre suas opções. Apesar da ira, sabia que nem tudo estavaperdido. O jogo estava longe de terminar. Ele tinha um trunfo. A menininhaviria atrás do pai e aí ele estariapronto.

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