Capítulo 10

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Donato olhava para o espelho que recebera de seu Mestre, há muito tempo. Outrora reluzente, agora encontrava-se sujo e rachado. Não era um espelho qualquer, e sim a porta de comunicação com outros quadros. Naquele momento, não via o seu rosto nele, mas a imagem de várias pinturas em miniatura.

Tocou uma em específico. Um salão de baile ostensivo e enorme apareceu diante dele, no reflexo do espelho.

— Meus cumprimentos, Senhor.

Donato não se impressionou quando viu Conde William do outro lado, em seu próprio quadro, fazer uma mesura afetada ao falar. Medroso como ele só, William irritava Donato com gestos exagerados e declarações de submissão inválidas.

— Conde William. — Ele retribuiu o gesto de modo contido.

— Tenho ótimas notícias, Senhor.

— Não foi o que fiquei sabendo, Conde.

— Como? — Demonstrou surpresa. — O prisioneiro esteve sob minha vigilância e...

— E não colaborou. Caso contrário, não estaria do lado de fora da minha tenda. Parece que terei que fazer o trabalho que você deveria ter feito.

Conde William emudeceu, sem resposta para esse fato.

— Qual informação conseguiu extrair dele? Ele disse algo sobre o diário?

— Não muito, Senhor — admitiu. — Mas...

Donato levantou a mão pedindo que se calasse e respirou fundo, exasperado.

— Conde, terei que lhe lembrar que a vida de sua filha depende dessa tarefa a qual lhe incumbi?

— Senhor, eu tentei e... — William gaguejava, tropeçando nas palavras.

— Não quero que tente! Quero que consiga informações! — vociferou.

Donato caminhou até o limite que separava seu quadro do quadro de Conde William e observou-o. Quase conseguia sentir o medo do Conde com a proximidade.

— Te dei a honra de participar desse plano único e majestoso e é assim que me responde? Com ações imbecis? Você é uma vergonha para Picta Mundi! Tenho dúvidas se devo deixar essa escória continuar existindo!

— Não! Senhor, não! — chorou copiosamente. — Minha família, não!

— Cale-se!

Donato fez um gesto para um de seus comparsas que permaneciam ao lado de Conde William. O homem deu um forte tapa nele, para que controlasse suas emoções.

— Faça por merecer a sua vida e a de sua família. Faça um bom trabalho e sua linda filha não terá cada membro de seu belo corpo decepado.

— S-s-s-im, vou fazer conforme...

— Chega! Já é o bastante! — Donato não o deixou completar, cansado daquele murmúrio.

Seus homens tiraram Conde William de sua vista. Donato se afastou do espelho e caminhou para o centro da barraca.

— Tragam-no! — ordenou para os subalternos.

Após alguns instantes, surgiram com um homem encapuzado, que se debatia muito, tentando se desvencilhar. Donato o circundou e o golpeou na perna com a capa da bainha da espada, fazendo com que gemesse de dor e caísse de joelhos. Retirou o capuz que vendava o homem e o puxou pelos cabelos, tombando sua cabeça para trás.

— Quieto — sibilou em seu ouvido.

— Não vou te contar o que sei!

— Acho que vai mudar de ideia, Raul. — Donato continuou com o tom intimidador.

— Jamais! Nada no mundo me faria te ajudar a...

— Nem a sua filha? — Donato o interrompeu.

Raul ficou em silêncio. Donato gostou da ausência de resposta. Mesmo sem poder confiar na colaboração de seus auxiliares mentecaptos, ele sabia que era astuto o suficiente para ir até o fim, sozinho. O poder ilimitado pairava a poucos centímetros de sua mão. Podia quase apalpá-lo.

Apesar de ser um estrategista exemplar, sabendo quando atacar e recuar, Donato considerou a melhor forma de continuar a conduzir a chantagem. Qualquer palavra dita sem a firmeza necessária poderia atrapalhar seus planos, em vez de ajudá-lo. Por outro lado, mesmo sabendo que dominava a arte de infligir medo às pessoas em Picta Mundi, não tinha certeza se conseguiria efeito igual em Raul, um humano. O medo pode paralisar certas pessoas e esse não era o objetivo dele, no momento. A situação devia ser meticulosamente analisada. As próximas palavras deveriam aterrorizar Raul, mas de forma que não limitasse suas ações.

— Nem a presença da bela jovem Letícia em Picta Mundi faria com que me dissesse o paradeiro do diário?

Está blefando! — Raul berrou.

Donato riu com vontade ao perceber a hesitação na voz do preso.

— Não, não estou. E você sabe disso.    

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