02: O que acontece quando a gente morre

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Anastácia estava pendurada na sua vassoura de sempre.

– Você chegou tarde, hoje.

– Teve reunião depois do trabalho – expliquei.

– Seu Jamesson tá bem irritado contigo.

– Não precisa me dizer. Eu tenho evitado ele há duas semanas. – Fiquei tentando abrir a porta do condomínio, mas minha chave parecia não entrar. – O que você tá fazendo aqui fora, afinal? E por que tá de cabeça pra baixo?

– Tava esperando você, ué. – Ela se ajeitou, girando no ar para sentar com as pernas cruzadas sobre a vassoura flutuante. – E praticando a manipulação da minha própria corrente sanguínea. Seu Jamesson mandou avisar pra você ir na guarita pegar sua chave nova.

Eu demorei um pouco para processar aquilo.

– Como assim? – Virei a cabeça pra ela quando finalmente achei que tinha entendido. – Chave nova?

– Ele trocou a fechadura dessa porta e deu chaves novas pra todo mundo. Menos pra você. Você tem que ir buscar na guarita.

– Depois de todo o trabalho que eu tenho tido pra evitar a guarita? Não é fácil entrar aqui sem ele ver, sabia?

– Eu não saberia – ela retrucou. – Eu voo.

Tsc. – Olhei desolado para o chão por um momento. – Me dá uma força, Naná. Eu vou ter dinheiro semana que vem, então eu pago o aluguel. Não quero ter que discutir com ele antes disso.

Ela levou um dedo ao queixo.

Hmmm...

Revirei os olhos.

– Eu faço um acordo com você.

– Eba! – Ela rodopiou no ar. Eu não sei como é que o chapéu não cai da cabeça. Ao terminar o rodopio, ajeitou os cabelos púrpuras que cobriam parcialmente o olho esquerdo e puxou a varinha da manga do robe.

– Espera. O que você vai fazer?

– Calma. Eu não vou te transformar em nada... nojento – ela deu uma risadinha divertida. Mas eu sabia que existia um quê de crueldade lá atrás.

– Eu tava pensando em você só me voar pro outro lado. Sabe como é, na vassoura.

– Daisuke, eu já falei que você não pode montar na minha vassoura.

Dei de ombros.

– Por que não?

– Porque não é assim que a magia funciona!

Ela apontou a varinha para a porta, que destrancou com um clique.

– Obrigado.

Eu abri a porta e entrei na propriedade. Ela veio me seguindo, flutuando atrás.

– Você não parece aborrecido.

– Não estou.

– Por quê? – Ela parecia bastante curiosa.

– Eu deveria estar?

Cruzamos a estradinha de pedra e ela destrancou a segunda porta sem eu pedir.

– Sei lá, com toda essa situação.

– A culpa é minha – expliquei. – Seu Jamesson está no direito dele. Eu só quero evitar o conflito.

Comecei a subir as precárias escadas do nosso condomínio. Anastácia ia flutuando ao meu lado. Eu acho surpreendente como ela consegue conduzir essa vassoura velha num espaço tão apertado.

Vanitas: uma fatia de morteOnde histórias criam vida. Descubra agora