Conforme prometido, Benevides nos levou para a pizzaria depois da entrega do projeto. Tudo bem que foi uma semana depois, mas levou. Não importa. Comida grátis é sempre bom. E pizza é o melhor tipo de comida grátis.
Meus colegas estavam discutindo frivolidades, enquanto eu só me preocupava em comer mesmo. Ao meu lado, Sammy teclava nervosamente no celular, exibindo sorrisinhos contidos frequentemente. Eu queria saber o que era, mas não me atrevia a perguntar.
– Vai mais aí, Dai?! – Benevides perguntou já servindo meu prato. Ele já estava com o rosto corado.
– Daisuke – chamou Leonardo.
– Leo – respondi. Ele também estava bêbado. Por que as pessoas bebem comendo pizza? Eu não vejo a razão disso. Mas acho que cada um lida com as incertezas da vida à sua maneira.
– É assim que se pronuncia o teu nome, né? Daissuke.
– É Dáissuke, otário! – intrometeu-se Lucas. – Tipo Sasuke!
– O que é Sasuke? – perguntou Benevides.
– De Naruto! – explicou Lucas, indignado. E olhou pra mim, como quem pede socorro. – Né não, Daisuke?
Dei de ombros.
– Eu não vejo essas coisas. E não me importo com como pronunciam o meu nome.
– Porra, mas todo mundo já viu Naruto – comentou Leonardo.
– Eu devo ter visto um ou outro episódio, na tevê. Mas nunca me interessei.
– É, eu também não. É besta – disse Benevides, de forma estranhamente protetora. Como se precisasse me defender. Você não está sozinho, Dai, ficarei ao seu lado contra essas degenerações japonesas!
– Eu não tenho nada contra. Só nunca me chamou atenção mesmo – reafirmei.
Sem dizer nada, Sammy levantou e deixou o recinto.
– Caralho, Dai, mas tu é japonês! – Lucas bateu na mesa.
– E daí? – Leo interveio. – Só porque é japonês tem que gostar de anime?
– Não, ué – defendeu-se Lucas. – Mas é da cultura da terra dele. Ele ao menos deve conhecer.
– Eu não sou japonês – expliquei calmamente pela quadricentésima vigésima nona vez. – Sou brasileiro. Meu pai e minha mãe são brasileiros. Até meus avós são brasileiros. Meus bisavós vieram do Japão há muito tempo. Eu não tenho nada de japonês além disso.
– Mas tu não sabe nada de japonês? – perguntou Benevides. – Arigato, sayonara?
– Sei tanto quando vocês. – Essa conversa estava começando a me irritar. Talvez porque todos já estivessem meio bêbados. Mas logo começariam com os estereótipos de japonês, e nesse ponto a coisa sempre ficava tremendamente chata. Pedi licença e me levantei também antes que começassem.
As piadas de pinto pequeno não me incomodam tanto, na verdade; o pior é o negócio da superinteligência. Até porque parece que toda a minha família também sempre esperou que eu não fosse nada menos que um super gênio.
Sammy estava fumando do lado de fora. Encostei ao lado dela enquanto ela olhava para a tela do celular.
– E aí – falei, depois de um tempo.
– E aí – ela mandou de volta. Deu um trago.
– Tá falando com quem?
Ela baforou.
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Vanitas: uma fatia de morte
FantasiaDaisuke é um jovem adulto cheio de ansiedades existenciais, que vive contemplando a morte e a natureza efêmera de todas as coisas. Na sua tentativa de navegar por uma existência aparentemente insignificante, ele tem vários encontros com personagens...