Tinha um homem rondando a minha rua. Ele vestia uma capa vermelha longa e pesada, com um capuz jogado para trás. Tinha o cabelo loiro acastanhado curto, mas tão irregular que só podia ter sido cortado por ele mesmo. Carregava uma mochila ocre maior que ele. Na mão direita, um mapa que consultava nervosamente, e no braço esquerdo, uns livros perigando cair a todo momento. A capa era tão comprida que arrastava no chão. Estava bem gasta.
Eu primeiro reparei nele por acaso. Estava apenas sentado na varanda e a roupa estranha me chamou a atenção. Mas quando meu bolo ficou pronto e eu voltei pra comer ali, ele ainda estava andando de um lado pro outro. Eu não sabia o que pensar.
O carro de seu Jamesson dobrou a esquina e parou na frente do portão.
Okay, é agora.
Vi ele sair do carro para abrir o portão e estacionar, mas imediatamente o cara da capa foi falar com ele. Seu Jamesson pareceu com raiva, e balançou a cabeça negativamente várias vezes. Do terceiro andar, ainda consegui ouvi-lo gritar mandando o sujeito embora.
Lavei minha louça, varri a varanda, peguei o dinheiro do condomínio e desci.
Encontrei o velho subindo a escada.
– Bom dia, seu Jamesson.
– Bom dia, Daisuke – ele falou com aquela voz de quem fumava desde os dez anos. – Anda ocupado ultimamente, é?
– Bastante. – Sorri amarelo. – Sinto muito por demorar tanto. Aqui está o dinheiro.
Ele tirou o pacote da minha mão com a mesma grosseria de sempre. Ali mesmo, tirou o dinheiro e começou a contar. Foi descendo as escadas, e eu percebi que devia segui-lo, o que eu fiz hesitante.
Quando terminou de contar o dinheiro, ele enfiou no bolso e falou:
– Venha, preciso entregar sua nova chave.
Ah, claro. Eu tinha me esquecido disso já.
– Sim, senhor.
– A propósito – ele continuou, em tom casual. – Como você tem entrado, sem ela?
Engoli em seco.
– É que eu sempre chego e saio na hora do rush, aí sempre tem alguém saindo ou chegando junto. Sabe como é.
– Hm. – Não sei o quanto dessa mentira deslavada ele engoliu, e a resposta neutra não ajudou muito. Mas ele não questionou mais. Em vez disso, perguntou: – Viu Anastácia hoje?
Quase congelei ali mesmo. Será que ele tinha ligado os pontos?
– Não, senhor. Ela deve estar trabalhando.
– Hm – fez ele de novo. E não disse mais nada.
Eu sempre tive a ligeira impressão de que seu Jamesson não gostava de Anastácia. Não sei se ele tinha preconceito com bruxas, ou medo, ou o quê. Eu nem sabia se ele era religioso ou não; era um homem muito reservado. Mas como também era bruto com todo mundo, podia ser só impressão. Seu Jamesson era um homem muito alto e corpulento, e andava ligeiramente curvado, o que à noite fazia-o parecer alguma figura sombria do tipo Slenderman. Apesar dos cabelos grisalhos, não usava óculos, mas tinha olhos pequenos e aguçados como uma águia, que provocavam terror à primeira vista. Não ajudava que ele cultivasse aquele bigodinho de Hitler também.
Guiou-me até a guarita, abriu a porta, entrou sozinho, saiu rapidamente e me entregou a chave. Ele fazia essas coisas com a precisão e eficiência de uma máquina.
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Vanitas: uma fatia de morte
FantasyDaisuke é um jovem adulto cheio de ansiedades existenciais, que vive contemplando a morte e a natureza efêmera de todas as coisas. Na sua tentativa de navegar por uma existência aparentemente insignificante, ele tem vários encontros com personagens...