Capítulo 3 - Onde tudo começou

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POV. Miguel

FLASHBACK ON

No meio de tantos papéis, de tantas propostas em propósito de um fim, eu lembrei do começo. Ah, o começo... Quinze anos atrás, nas férias de 1999. Eu tinha vinte anos e usava um corte de cabelo bem escroto, que era moda na época. Namorava uma garota chamada Fernanda, que estudava comigo na faculdade, mas sabia que nosso relacionamento não iria pra frente. Muito superficial e muito monótono.

Sinto-lhe decepcionar, mas se espera o típico clichê do popular e da nerd, ou vice-versa, então essa não é história. Apesar de sermos um casal como qualquer outro, o início do nosso relacionamento foge um pouco do padrão.

Quando conheci Carolina eu estava andando de avião pela segunda vez na minha vida. Sempre tive medo de altura e aquela segunda vez não estava sendo tão fácil quanto à primeira. Eu estava em um vôo de oito horas dos Estados Unidos para o Brasil.

Para mim não era tão divertido assim ficar do lado da janela. Eu estava agarrando com muita força a poltrona quando o avião decolou, fechei meus olhos e tentei me acalmar. Foi então que eu senti o calor da mão dela sobre a minha. Se eu não estivesse coberto de medo, com certeza teria notado-a antes.

- First flight (Primeiro vôo)? – ela perguntou. Sentada ali, com roupas simples e uma tranquilidade inexplicável. Um casaco de lã bege, com seus longos cabelos castanhos e cacheados caindo sobre ele, e um doce sorriso em seu rosto. Não havia como não se tranquilizar com aquele sorriso.

- Não. Quero dizer...No – falei, enrolando-me.

- Brasileiro, também? – disse a garota, um pouco animada, já falando a minha língua.

- Sim. – respondi, já mais calmo. – Você é carioca?

- Sou. E você?

- Também. – só então percebi o quanto eu apertava a mão da garota. Soltei-a rapidamente, envergonhado. – Desculpe.

- Tudo bem. Eu fiquei um pouco nervosa também no meu primeiro vôo, mas me acostumei com o tempo. Você tem medo de altura?

- Acho que não é medo. É pavor! – falei e escondi minhas mãos, para que ela não visse o quanto elas tremiam. – Eu estava lendo no saguão do aeroporto que a chance de um avião cair é de um a cada 67 mil vôos. E se já tiverem passado 66.999 vôos e esse for o próximo?

- Um pouco pessimista seu pensamento, você não acha? – perguntou ela, com certeza segurando o riso. Não a julgo, porque até eu riria do meu desespero.

- Talvez. – dei de ombros e tentei concentrar-me em minha respiração. – Eu viajo para todos os lugares que posso de ônibus, trem, ou até barco, porque eu nado bem. Mas parece que para vir para cá, nenhum destes era uma opção.

- Eu não gosto de viajar de navios. Acho que é porque não sei nadar, aí sempre penso que acontecerá a mesma coisa que no Titanic.

- Mas o caso do Titanic é raro. – falei.

- O caso dos aviões também. – ela respondeu com uma das sobrancelhas arqueada e um sorriso.

Ficamos em silêncio por um tempo, eu estava tentando controlar minha respiração e evitar vomitar na frente daquela garota. Exagero, eu sei, mas acho que ninguém tem tanto pânico de altura igual à mim. Você deve estar imaginando: Como um cara pode ser tão medroso assim? Nem me pergunte. Depois de alguns minutos, quando eu podia jurar que meu estômago estava ficando estranho, virei-me para ela para puxar assunto e tentar me acalmar.

- Estava curtindo as férias em Orlando ? – perguntei.

- Mais ou menos. Vim com a minha irmã caçula e o pai dela. Ele conseguiu uma viagem de graça com tudo pago e me chamou também. Mas minha mãe estava me perturbando para voltar. - ela revirou os olhos, meio irritada. E olhou para mim. - E você? Foi pra Disney?

- Não. Eu estava em um intercâmbio em Miami, mas eu tive que voltar antes do tempo. Alguns problemas familiares, sabe?

- Sei. – ela concordou, parecendo um pouco arrasada. O motivo de eu voltar  mais cedo dointercnâmbio é que minha tia que cuidava de mim desde pequeno, descobriu que estava com um câncer nos pulmões. A situação já estava meio estranha. Eu não precisava contar isso para ela. Observei a câmera repousada em seu colo.

- É fotógrafa? - perguntei, um pouco curioso sobre a amável estranha.

- Não. Gostaria, mas só faço isso como um hobbie.

- Ah sim. – concordei e voltamos a ficar em silêncio por um tempo, até ela quebra-lo.

-Viu? Andar de avião não é tão apavorante assim.

- É, acho que... – comecei a falar, mas fui interrompido pelo reboliço que o avião fez. Senti uns calafrios em minha barriga. A voz que começou a sair pelas caixas de som me aterrorizou mais ainda.

"Senhores passageiros, estamos passando por uma pequena zona de turbulência. Por favor, apertem seus cintos para garantir sua segurança."

Meu estômago se embrulhava cada vez mais. Apertei meu cinto e o avião não parava de mexer. Fechei meus olhos, só os abriria quando tudo isso passasse. Apertei a poltrona com toda a força que eu tinha até eu sentir a mão dela sobre a minha novamente.

- Vai dar tudo certo. – ela falou para mim.

Por um único momento no meio daquela confusão,senti-me em paz. Eu queria poder dar algo em troca, um agradecimento talvez ou um sorriso, qualquer coisa. Porém depois que a turbulência passou a única coisa que consegui fazer foi vomitar no colo daquela amável estranha.

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