Capítulo 4 - Outro lugar

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POV. Miguel

O modo que nos conhecemos não foi nada romântico, pelo contrário, não sei como ela não me evitou na segunda vez que nos vimos. Acho que ela ficou com pena de mim. Pelo menos quando nos vimos novamente, meus pés já estavam em terra firme.

Aquela garota pequena me impressionou com o tamanho de sua coragem e calma. Ela era humana, porque tenho certeza que qualquer garota depois de ter me visto vomitar logo quando nos conhecemos já teria pulado do avião e não teria entrado em uma relação de quinze anos com esse maluco que vos fala.

Algumas semanas após retornar para casa, tentei conversar com Fernanda sobre nosso relacionamento e ela sugeriu que déssemos um tempo, que precisávamos refletir antes de darmos o próximo passo. Ela não era o tipo de pessoa que me compreendia, apenas olhava para si mesma e se queixava quando eu não fazia o mesmo, e naquele momento eu não precisava disso.

Nada que tivesse a ver com Carolina, porque, aliás, eu nem cogitava em encontrá-la novamente algum dia. Minha vida estava uma completa bagunça e as exigências de garota mimada de Fernanda não me auxiliavam em nada.

E ainda mais, minha tia Maria estava morando conosco. Ela estava com um câncer de pulmão e já estava em um estágio avançado. Ela não tinha filhos, muito menos marido. Então, nós éramos os únicos que lhe restavam.

Eram tempos difíceis, meus pais brigavam, minha tia entrava em depressão e meu irmão se demonstrava cada vez mais uma criança irritante, talvez por lhe faltar um pouco de atenção no meio de toda essa confusão. Em meu tempo livre, eu não suportava ficar em casa vendo tudo aquilo e como estava, em tese, solteiro saí diversas vezes para a balada nos fins de semana.

Numa noite de sábado, fui com uns amigos à uma boate, na zona norte do Rio. Nessa época, as pessoas iam para os locais para dançar, conhecer gente nova e não arranjar brigas, como nos dias de hoje.

Todos queriam arranjar alguém para ficar naquela noite. Daniel era o único comprometido, o que era bem estranho para alguém como meu amigo. Ele dançava, animadamente, Claudinho e Buchecha com a única namorada séria que teve até então, Bruna. Daniel havia falado que algum dia encontraria um amor. Mas para mim, ele havia encontrado. Pois naquela época, o namoro dele e de Bruna era o meu exemplo.

Os dois se conheceram no colégio e eram da mesma sala que eu. Daniel era a sensação da turma, o piadista, que sempre era posto para fora de sala. Todo dia era o mesmo Daniel na sala da diretora, por conta de alguma merda diferente que ele havia feito. Bruna era mais reclusa, tímida, mas sentava perto de Daniel, que tinha toda uma lábia – e também não calava a boca, mas sempre assumia a culpa, quando eram pegos conversando – então não havia como não se tornassem amigos. No último ano do Ensino Médio, com a todas as festas e saídas, eles se aproximaram cada vez mais, até que começaram a namorar.

Esta é uma história de amor bem mais normal que a minha. Eu confesso.

Daniel desde quando éramos crianças, fazia sucesso com as garotas, mas apenas uma fisgou seu coração. Ele virou uma pessoa diferente depois de Bruna, mais responsável, mais maduro – talvez nem tão maduro, assim. E a mudança em sua namorada também foi notória. Bruna havia se tornado mais arrojada, despachada, fez vários amigos e perdeu seu medo de falar em público. Eles ficaram juntos por bastante tempo e ele realmente gostava dela, assim como ela realmente gostava dele, mas não me lembro do real motivo da separação. Daniel nunca gostou de conversar sobre isso.

Já eu estava no bar tomando um refrigerante, já que havia ido de moto, até que uma estranha – não tão estranha assim – sentou-se ao meu lado, quase deitando em cima do balcão.

- Quero uma cerveja, por favor! – enquanto ela aguardava, voltou-se para mim. – Oi...Ei! Eu te conheço!

Reconheci-a de imediato. Não tinha como não se lembrar daqueles olhos castanhos, daquele cabelo cacheado que caía pelas suas costas e de seu lindo sorriso. Na verdade, eu queria esquecer depois do trágico incidente que aconteceu no avião.

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