Mafalda ; Oito anos atrás
A minha voz esganiçada, juntamente com a voz de criança da minha irmã, ouviam-se por todo o carro.
Estávamos bastante animadas a cantar as músicas que passavam na rádio, provocando risadas ao nosso pai. Tínhamos reparado que não estava nos seus melhores dias, aquela era a nossa forma do o animar.
E estávamos a conseguir. O homem ria-se que nem perdido, embora atento à estrada. Era só mais uma noite chuvosa. Choveu todo o dia e á noite parecia continuar.
Estávamos ambas fartas daquele tempo.
Bianca continuava a desafinar de propósito, colocando o telemóvel à frente do nosso pai. A sua voz rígida fez-se ouvir.
Tinha-lhe tapado a visão e já bastava o tempo que estava fora do carro.
- Bianca, não sejas teimosa!
Não sei bem o que aconteceu. Num momento a minha voz acompanhava a do cantor da rádio e o nosso pai resmungava ainda com Bianca e o vídeo que fazia. Só me lembro do meu corpo balançar de uma forma bruta.
Ouvi o pneu a perder a aderência ao chão, os sons ensurdecedores dos travões, um grito do meu pai e outro da Bianca.
Fechei os olhos e levei as mãos à cara.
Ouvi um estrondo. Senti o impacto. O cinto apertou a minha barriga, fazendo com que me encolhesse ao máximo. Ainda consegui ver os olhos aterrorizados de Bianca.
Naquele momento, o silêncio foi a pior parte, a coragem de abrir os olhos e observar o que estava à minha volta, não existia.
Ouvi a voz do meu pai a gritar pela Bianca. O som de sirenes e vozes desconhecidas.
O meu corpo foi levantando do banco, após o cinto ter sido retirado. Nem tinha dado conta, sentia-me dormente. Antes de sair do carro, a última imagem foi Bianca.
E as lágrimas do meu pai.
O vidro partido e a sua cabeça coberta de sangue, que escorria pela lateral da sua face, reparei na ausência do cinto.
Sabia o que tinha tirado para gravar o nosso pai e também a minha cantoria.
O telemóvel continuava na sua mão.
- Pai! - Gritei, percebendo que estava cada vez mais longe dele. - Não! Pai! Pai!
Lembro-me de uma picada no braço e de sentir um sono imenso. Fechei os olhos. Ainda pude sentir as lágrimas e o sabor salgado nos meus lábios, enquanto adormecia.
Rúben
- Mafalda? Mafalda... Amor, acorda. - Os seus olhos marejados encontraram os meus. Tinha a respiração irregular e o rosto suado.
Levou as mãos ao rosto, para se esconder.
Pousei as minhas sob as delas, entrelaçando os meus dedos nos dela.
- Já passou bebé, já passou. - Deitei-me perto dela, dando-lhe um beijo no ombro. - Está tudo bem, ok? Respira fundo.
- Odeio isto.
- Eu sei, mas não podes fazer nada. Olha para mim, estou aqui contigo.
A morena destapou-se, virando o corpo para o meu. Os seus olhos prenderam os meus, forçou um sorriso e acabou por suspirar. Mostrei-lhe o sorriso carinhoso e compreensivo que estava a precisar de receber.
Sorriu de volta, embora forçado.
Lambeu os lábios, começando a acalmar. Toda a sua expressão suavizou e o pânico no olhar da morena desapareceu.
- Desculpa por te ter acordado. - Murmurou, sentando-se na cama. Vou tomar um duche, vê se consegues dormir mor. - Levantou-se, o que me fez ir atrás dela.
- Achas que vais tomar duche sozinho? - Antes de protestar, já tinha removido a camisola dos meus braços.
- És impossível, já te disseram?
Ela soltou uma leve risada, tal como eu. Entrou no chuveiro, despindo-se.
Observei cada movimento dela, admirando o quão bonita era. Entrei na cabine com ela, sem perder tempo em sentir o seu toque. A morena, envergonhada, beijou os meus lábios. Abraçou a minha cintura, pouco depois.
Senti todo o seu corpo relaxar contra o meu, o que me deixou igualmente relaxado. Sabia bem onde íamos parar.
E pelo olhar dela e pela forma atrevida e tarada com que me explorava, ela também sabia.
Do duche, passamos para os lençóis da cama. A morena deixou-se levar por mim. Saboreou um toque movo e diferente. Cada toque atrevido, o beijo cada vez mais íntimo e quando demos por nós, já saciávamos o desejo.
Ela era tão bonita. Tão pura e genuína. Estava deliciado com o toque dela, com a forma como se entregava a mim e se adotava.
Sempre com o olhar inocente, os lábios quentes e inchados, entreabertos.
A respiração ofegante ao meu ouvido, capaz de me desmontar facilmente. A pureza do toque e o rosto suado e corado dela, deixavam-me cada vez mais derrotado e apaixonado.
Mafalda... O que faço contigo?