Ir ao psiquiatra não é lá um passeio ao parque, mas pelo menos eu podia roubar uns pirulitos do consultório enquanto Wood me enchia de sermões a respeito do meu "comportamento equivocado".
— Você está compreendendo o que quero dizer? — perguntou Wood, me fazendo desviar o olhar do pote de pirulitos para encará-lo. Hoje o homem vestia uma camisa larga, na altura dos joelhos, com a estampa do Batman, calça jeans e uns sapatos bem esquisitos. Ele tinha um gosto peculiar para tudo, inclusive para a sua maneira de se vestir.Como em todas vezes em que vinha em seu consultório e prestava atenção em tudo menos no que ele dizia, concordei com um aceno de cabeça.
— Absolutamente — abri um meio sorriso, devolvendo o pirulito à boca.Wood outra vez havia começado a explicar algo relacionados aos meus novos remédios já que, aparentemente, os antigos — que eu estava tomando ilegalmente — não faziam mais efeito.
Alguns segundos, ou minutos depois, o homem estava parado ao meu lado segurando uma papel branco, enquanto tagarelava uma porção de coisas das quais eu não tinha prestado atenção. Acho que desenvolvi um caso sério de audição seletiva e ultimamente só estou captando informações realmente relevantes.
—... entendeu, Luna? — perguntou Wood. Apenas concordei novamente, o fazendo suspirar. — O que há com você? Eu sei que nunca presta atenção no que digo, mas hoje você parece...— Perdida?! — aquilo saiu de uma maneira tão espontânea e involuntária, que fui incapaz de conter o suspirou que veio em seguida. — Estou perdida em pensamentos — me corrigi, antes que ele me lançasse um milhão de perguntas a respeito do que estava sentindo. — É só isso.
Ele parou alguns segundos, com a sobrancelha erguida, observando as expressões do meu rosto. Aquilo me fez revirar os olhos.
Ok. Wood poderia ser um ótimo psiquiatra, um ótimo leitor de mangás e HQs, poderia até ser um ótimo amigo se fosse esse o caso, mas o fato era que, quando o assunto era decifrar expressões faciais de uma pessoa ele era péssimo e eu sempre fui excelente em esconder meus reais sentimentos.
— Certeza de que não tem nada para me dizer? — perguntou, parecendo deliberadamente preocupado. A expressão "fazer tempestade num copo dágua" foi criada por ele, ou para ele. Não é possível.Peguei a receita de sua mão, abrindo um breve sorriso.
— Tenho — caminhei até sua mesa, lhe roubando outro pirulito. — Agora eu tenho que ir.— Nós ainda não... — Ignorei totalmente o que ele dizia, caminhando até a porta do consultório. Sabia que em breve teria que voltar e que ele me encheria o saco quando isso acontecesse, porém, apenas ignorei tudo e continuei caminhando.
— Até a próxima, tio — bati a porta atrás de mim, o fazendo gritar algo que pareceu um "nós ainda vamos conversar sobre, mocinha" e isso me faz soltar uma leve risada, pois tinha absoluta certeza de que, na próxima consulta ele encontraria outro tema mais interessante como pauta e esqueceria complemente este. Era sempre assim.
Atravessei antes que o sinal abrisse e segui pela calçada, enquanto cantarolava uma música qualquer.
Observando a rua, pude notar um grupo de amigos caminhando um pouco à frente de mim. Ironicamente ou não, o quarteto era formado por três garotos e uma garota, que no momento estava tentando parar de rir para poder contar algo. Os amigos gargalhavam junto mesmo sem parecer fazer ideia do que estava acontecendo de fato. Acho que a risada da garota, para eles, devia ser algo contagiante.
Seguimos boa parte do percurso juntos por assim dizer. E em nenhum momento eles conseguíram descobrir o que a amiga estava achando tão engraçado, mas tampouco pareciam se importar com aquilo. Apenas gargalhavam junto como se suas gargalhadas fossem uma linguagem secreta só deles.
Assistia à tudo aquilo com um maldito nó na garganta. Eu sabia que era uma tremenda estupidez da minha parte, mas ver aquilo trouxe átona a minha velha e inseparável sensação de solidão. Estava sozinha. De novo. E quanto mais você convive acompanhada, mais você percebe o quanto estar sozinho pode ser deprimente.
Enfiei a mão em um dos bolsos, pegando o cigarro de maconha e o esqueiro, os acendendo logo em seguida. Talvez eu acabasse me ferrando por isso, mas o cigarro ultimamente era o único que deixava as coisas "menos piores".
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Todas as verdades de Luna [PAUSASA]
Novela JuvenilLivro 2. Pelo que diz o nosso velho amigo dicionário, a mentira nada mais é do que o ato de esconder, ocultar a verdade, por isso, acredita-se que esses dois antônimos são duas coisas distintas, quando na verdade eles não são - muito pelo contrá...