POV Gabriela
📍20 de março, São Conrado - Rio de janeiro , 22h05 PM
Hoje, o dia na faculdade foi pesado. Cada aula parecia arrastar um pouco mais do meu ânimo. Quando finalmente saí da sala e cheguei no portão, lá estava Felipe, encostado no carro, tragando um cigarro. A fumaça subia em espirais lentes, misturando-se com o ar da noite. Nosso relacionamento, se é que posso chamar assim, está desmoronando aos poucos. Ele anda tão distante, com um jeito meio ríspido, um temperamento que me assusta. A verdade é que estamos juntos, moramos sob o mesmo teto, mas nunca houve um pedido, uma definição. Apenas estamos juntos.
— Você não avisou que vinha me buscar — disse, tentando disfarçar a surpresa, mas a voz saiu embargada, revelando meu desconforto.
— Surpresa, gata! Queria garantir que não tem nenhum otário se engraçando com você — ele respondeu, forçando um sorriso.
— Ata... — murmurei, sem conseguir disfarçar o desânimo que crescia dentro de mim.
— Relaxa, tô só zoando. Você sabe que é minha, né? Sei que você se cuida, é toda "posturada". Mas hoje é diferente, vamos pra Copacabana, ter uma noite daquelas que a gente merece.Felipe abriu a porta do carro para mim, mas senti um peso no ar. O silêncio entre nós não era confortável, estava carregado de palavras não ditas. Ele me lançava olhares distinto, como se quisesse dizer algo, mas recuava, engolindo cada palavra. Eu estava exausta, tanto física quanto emocionalmente, então preferi me distrair no celular. Enquanto ele dirigia, mandei mensagem para a Yasmin. Ironia do destino, acabamos virando amigas de verdade, e hoje ela me contava sobre o envolvimento com Rodrigo. No fundo, eu estava preocupada, porque sei que ele não presta. Já vi o que é ser mulher de traficante; é viver uma humilhação constante. Perdi as contas de quantas vezes fui obrigada a visitar o Felipe na cadeia. A sujeira, as drogas, o risco constante. Mesmo assim, nunca peguei ele me traindo. Ele é reservado, sempre foi. Até brinco que ele e Rodrigo parecem irmãos, porque um é ruim e o outro é pior ainda, completamente perdido nas próprias escolhas.
Meus pensamentos estavam tão dispersos que nem percebi quando chegamos ao apartamento. A vista da praia, com o mar calmo refletindo a lua, deveria me acalmar, mas eu só sentia um aperto no peito. Subimos em silêncio. Ao entrar, o som suave das ondas invadia o ambiente, mas o clima entre nós continuava pesado.
— Sempre nesse celular, né? — ele comentou, com um tom carregado de ironia.
— E você? Vive na boca, sabe-se lá onde, e vem reclamar de mim? — rebati, tentando segurar a raiva.
— Eu só quero conversar com você — ele disse, de repente, me puxando para perto com uma intensidade que quase me fez perder o equilíbrio.Ele tentou me beijar, mas desviei o rosto. Ele não gostou, vi o brilho nos olhos dele se apagar por um segundo. Segurou minha nuca com firmeza, tentando me prender naquele momento. Tentei me manter séria, mas uma risada nervosa escapou, seguida de lágrimas. Comecei a chorar de um jeito descontrolado, como se toda a frustração e a dor dos últimos tempos tivessem encontrado uma brecha para sair.
— Você tá magoada, não tá? — ele perguntou, acariciando meu pescoço com uma suavidade que contrastava com o tumulto dos nossos sentimentos.
— É complicado. Tem dias que eu simplesmente não sei como lidar com você — confessei, sentindo a voz falhar.
— Eu sei... Fui um idiota, né? — ele se afastou um pouco, desviando o olhar, mas dava para ver a tristeza estampada nos olhos dele.Foi nesse momento que o inesperado aconteceu. Vi Felipe desmoronar. Ele começou a chorar, mas não era um choro comum, era um choro cheio de dor e arrependimento. Ele me olhou com os olhos cheios de lágrimas, os soluços entrecortando a respiração. Sem dizer nada, ele me puxou de novo, dessa vez para um abraço desesperado, como se precisasse se agarrar a mim para não afundar de vez. Senti os tremores no corpo dele, o desespero nos braços que me apertavam com força. Retribui o abraço, tentando oferecer o conforto que ele tanto parecia precisar. As lágrimas dele molharam meu ombro, e eu só conseguia pensar no quanto ele estava perdido, sufocado pelos próprios demônios.
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Transcendência
FanficYasmim, após a perda dos pais, decide recomeçar no Rio de Janeiro. Lá, conhece Rodrigo, um homem marcado pela violência e pelo ódio, que cresceu no crime do morro. Suas vidas, completamente opostas, se cruzam em meio a uma guerra entre facções. Quan...