Capítulo 1

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- E ai, bonitão! Quer companhia para a noite de Natal?

Christopher parou diante do bar e olhou para as duas mulheres encostadas na parede.

Usavam vestidos provocantes sob os casacos abertos, oferecendo os corpos prontos para dar prazer a quem pagasse. Uma delas estava arrepiada de frio, e mesmo assim, se expunha numa pose sedutora, devorando-o com olhar desesperado. A fumaça do cigarro escapava dos lábios vermelhos, confundindo-se com a névoa da respiração formada pela noite fria.

E ele achou que teria uma tediosa noite de Natal...

- Não preciso de companhia, obrigado. Só quero um drinque. - Christopher fez um gesto indicando a porta do bar.

- Ora, vamos, querido! Temos o que você precisa bem aqui.

A mulher jogou o cigarro e atirou uma minúscula guirlanda artificial na direção dele.

Era uma imitação barata, mas Christopher não viu motivo para mencionar o fato.

- Desculpe, mas não, obrigado.

- Bem, depois que você tomar seu drinque, estarei esperando por você.

A mulher sorriu, apanhando o enfeite natalino do chão para colocar na lapela do casaco.

Christopher não respondeu e passou por elas para empurrar a porta do bar. Avaliou o interior escuro e esfumaçado e olhou por sobre o ombro para as duas prostitutas.

Se os sentidos dele estivessem corretos, elas mal haviam atingido a maioridade.

No entanto, pareciam velhas e cansadas, ao contrário de ele próprio, com seu corpo jovem e existência ancestral. Num impulso, procurou a carteira no bolso. A mulher com a guirlanda observou o movimento e passou a língua da sobre os lábios artificialmente vermelhos, enquanto a outra se moveu para mais perto, com os olhos brilhando em antecipação.

Não, eles não eram diferentes, Christopher percebeu. Eram exatamente iguais. A fome os consumia, fazendo-os realizar coisas que jamais imaginavam serem capazes. A única diferença era a amargura que estava impregnada na pele daquelas mulheres, enquanto a dele permanecia escondida nos recantos mais sombrios de sua alma.

Christopher hesitou por um momento, e finalmente tirou o dinheiro. Merecia pagar por sentir simpatia por aquelas mulheres. Devia ser a estação. O Natal sempre o tocara de uma forma estranha.

Não podia deixar que as duras lições que aprendera escapassem de sua mente.

Mesmo assim, estendeu uma nota de cinquenta dólares para cada uma.

- Encontrem um lugar quente para passar a noite.

As duas arrancaram o dinheiro das mãos dele como duas ladras ávidas pela posse de um bem valioso.

- Obrigada, senhor. - Uma delas se voltou para a parceira. - Venha! Vamos festejar.

As mulheres seguiram pela calçada e Christopher as acompanhou até deixar de ouvir o som dos saltos altos no pavimento.

Sim, eram parecidos, concluiu. Agora, que estavam satisfeitas, aquelas mortais seguiriam em frente, assim como ele. Aquele era seu destino.

Christopher entrou no bar e a porta bateu com um estalido seco. Imediatamente, ele foi envolvido pelo brilho surreal do néon azul e vermelho do letreiro sobre o balcão. Sentou-se no último banco e pediu uma dose de uísque. Enquanto esperava, girou o corpo e avaliou o ambiente.

O bar estava quase vazio. Apenas alguns frequentadores ocupavam as mesas do local decadente. Afinal, era noite de Natal.

Voltou a atenção para o copo que o garçom deixou diante dele e fixou o olhar no líquido cor de âmbar. Mesmo aparentando indiferença, estava consciente de tudo que acontecia naquele espaço confinado.

Os dois homens na mesa do canto eram frequentadores regulares. Tomavam uísque e fumavam cigarros com filtro. Ambos se esqueciam do vazio das existências de cada um naquela mesa de bar.

O senhor no banco perto dele reclamava que a mulher o abandonara. Claro, ele se esquecera de mencionar que espancara a esposa durante anos antes que ela finalmente se lembrasse do próprio orgulho.

A mulher no outro extremo do bar usava perfume barato em abundância. Esperava por alguém. Um amante? Christopher quase podia sentir o gosto da ansiedade que exalava dela, embora não pudesse dizer se a luxúria era pelo homem ou pelas drogas que ele certamente traria.

Os quatro homens jogando bilhar eram amigos e celebravam juntos, não o Natal, mas o fato de que o mais jovem acabara de sair da prisão. Fora solto por bom comportamento, mas não demonstrava a mesma disposição para seguir as regras do lado de fora das grades.

Aqueles eram os tipos que se encontravam nos bares numa noite de Natal.

Pessoas sem família, amores ou vida. Os perdidos, os famintos, os violentos...

Exatamente como ele.

Christopher esvaziou o copo e fez um gesto para que o garçom o completasse. A bebida o anestesiava. O álcool não o afetava como às pessoascomuns, mas anestesiava seus sentimentos e o tornava capaz de viver sob a própria pele. Porém, ultimamente, o uísque não exercia mais seu papel. Não matava a fome que o consumia. Apenas apaziguava-a, e mesmo assim, não passava de um breve alívio para a urgência que corroia sua alma.

Christopher sorriu com amargura. Alma? Ele perdera a alma muito tempo atrás.

Apanhou o copo e engoliu o conteúdo de um só trago. Fechou os olhos para saborear o gosto acre quando sentiu um formigamento na nuca. Intrigado, ele girou o banco, à procura do ser que conseguiu de forma tão abrupta dispersar a desesperança do ambiente sombrio.

Ela estava parada à porta, e definitivamente não combinava com aquele lugar. Era uma mulher magra, com cabelos escuros e olhos intensos. Mesmo com a esparsa iluminação do ambiente, Christopher percebeu que eram verdes.

Uma criatura inocente, perdida num mundo frio. Ele ergueu as sobrancelhas diante do pensamento. Devia haver alguma coisa no ar naquela noite. Não costumava ser tãoimaginativo. Ademais, ele era a única criatura de outro mundo ali presente.

Christopher tomou mais um gole, observando-a através do vidro do copo. A mulher pequenina olhou ao redor com evidente nervosismo. Então, para surpresa dele, endireitou os ombros e entrou. Sentou-se no segundo banco à direita dele e esperou que o garçom a atendesse. Levou alguns segundos para pensar no pedido. Mais uma vez, ela o surpreendeu ao pedir uma dose de tequila, como se esperasse ter acertado na escolha do drinque mais forte do bar.

Christopher fingiu focalizar a atenção no próprio uísque, mas continuou a estudá-la. Ela não estava apenas nervosa. Parecia miserável.

O cheiro da raiva, do desespero e do desamparo, no entanto, não foram suficientes para encobrir o perfume natural daquela mortal. Ela cheirava flores aquecidas pelo sol.

Christopher não conseguiu se lembrar da última vez que sentira aroma tão puro e intocado. Ao menos, não num mortal adulto.

De repente, o frescor foi encoberto por outro cheiro, que também não pôde ser mascarado pelo odor forte de cerveja e fumaça de cigarro. Era o mesmo odor que envolvia os mortais com uma aura adocicada e sedutora, porém, sufocante para ele pela intensidade.

Ele respirou fundo e se concentrou na mulher, recompondo-se da primeira reação ao outro cheiro, o cheiro de sangue.

Conseguia fazer isso o tempo todo, mas estava mais difícil naquela noite. Sempre era assim quando precisava se alimentar.

Porém, poderia deixar para mais tarde. Não seria difícil naquela noite. O Natal fazia com que muitos mortais se sentissem completamente perdidos por estarem excluídos da redenção, assim como ele.

E então, havia aquela mulher. Por que estava ali? Era óbvio que não se sentia à vontade. Não era necessário ter habilidades paranormais para perceber. Trajava blusa branca e saia verde de lã, da mesma cor do longo casaco. A roupa simples e modesta, contudo, não era deselegante.

Ele subiu o olhar e estudou o rosto. Viu-se cativado no mesmo instante. Não se tratava de uma beleza clássica, mas os traços suaves harmonizavam-se à perfeição.

Maçãs salientes, nariz arrebitado, e aqueles incríveis olhos verdes... Os olhos sozinhos eram o bastante para deixá-lo tonto.

Christopher franziu a testa. Nenhum mortal, em seus duzentos anos de existência, despertara-lhe tanto interesse. Talvez estivesse intrigado simplesmente por perceber que ela estava deslocada naquele ambiente, ponderou. Ou então, por ela fazê-lo se
lembrar do lugar de onde ele próprio viera, onde as pessoas eram boas e gentis, e amavam-se com pureza e sinceridade.

O garçom colocou um pires com fatias de limão, um saleiro e o copo com tequila. A mulher contemplou os itens numa confusão óbvia. O olhar se deteve em Christopher por um momento, e ela imediatamente desviou o rosto. Hesitante, apanhou uma fatia de limão e franziu a testa.

...

Eu realmente espero que alguém leia, haha! Primeiro capítulo tá aí! Continua? 👀

Memórias De Um Vampiro - Adaptada - Vondy. Onde histórias criam vida. Descubra agora