Prólogo

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"Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição."

Mahatma Gandhi



Houve um tempo em que humanos não precisavam temer as criaturas que sobrevoavam os céus, rastejavam por entre as pedras ou nadavam no fundo dos oceanos, pois conviviam em uma relação ecológica harmônica. Os dois tinham seus espaços respeitados e dragões não se intrometiam nas relações humanas, assim como o contrário.

Por vezes até se ajudavam, concretizando um mutualismo em que ambas as partes saíam favorecidas, fosse com alimento ou novas moradias. A única relação que parecia sempre ser conturbada era entre os próprios humanos, muitos tinham ambições mesquinhas e desejavam o que já tinha dono, então era comum as guerras e conflitos.

Formavam exércitos e escoltas para se defenderem dos inimigos que espreitavam por aí, esperando o momento certo para atacarem.

Jung Hoseok fora general do exército de sua cidade, na época composta por uma grande extensão territorial, sendo quase uma supremacia. Ganhara muitos méritos de honra por seu papel fundamental e boas estratégias, tanto de ataque quanto de defesa. Era o escudeiro leal do rei e não havia um cidadão que não o admirasse, talvez alguns o invejassem, mas ainda assim mantinham uma postura respeitável em sua presença intimidadora.

Tivera muitos privilégios durante sua vida servindo o reino e conhecera uma camponesa de coração genuíno e que o enxergou por debaixo de toda aquela armadura de seriedade e frieza, dando o maior de seus privilégios: formar uma família.

Tinha tudo o que mais amava ao seu lado e seus filhos o admiravam como pai e herói, assim como sua esposa era seu porto seguro após chegar de um confronto e foi assim por alguns anos.

Entretanto, algo inquietava Hoseok.

Não era como se fosse ingrato a tudo que tinha, mas ao decidir servir seu povo ainda muito novo e franzino, quando mal aguentava segurar uma espada sem que ela o derrubasse, almejava uma grande aventura. Gostava da adrenalina correndo em suas veias e de salvar seu povo contra o que quer que fosse e ainda sentindo um certo desfalque de seu exército contra os inimigos que surgiam mais fortes e preparados.

E o que mais chamara sua atenção fora o primeiro inimigo que o fizera bater em retirada, com medo pela primeira vez de perder todos os seus homens em um combate de díspares forças. Tudo porque este inimigo usava dragões ao seu favor.

Aquelas criaturas sempre foram potenciais armas de combate aos olhos castanhos do general, mas elas sempre foram tratadas como animais selvagens e livres, pelo menos até aquele momento.

E foi com a ideia ambiciosa de melhorar seu exército que ele se viu buscando uma maneira de domar aquelas criaturas ao seu favor, mas não queria qualquer uma para ser sua arma de combate, queria o maior e mais forte. Para que seus inimigos se intimidassem com a simples presença dele, como sempre fora até aquela fatídica batalha que o envergonhara.

Descobrira em meio aos seus falhos planos que poderia ter uma pessoa que o ajudaria a controlar aqueles seres e sem avisar sua esposa sobre seu plano, apesar das desconfianças que vinham rondando o ambiente familiar, ele a deixou na soleira da porta com um beijo e a promessa de que as coisas logo se resolveriam.

Viajou por dias a cavalo até se ver em território desconhecido, acompanhado de um pequeno grupo de cavaleiros que seguiram consigo na missão. Seu destino era uma feiticeira, uma mulher que vivia afastada o resto da população e se dedicava ao estudo dos mais diversos assuntos e, rezava a lenda, que sabia muito sobre dragões, por isso Hoseok a procurara.

Fora avisado que Rui era uma mulher cheia de truques, então não era uma boa ideia julgá-la com a mente fechada e o general só entendeu o conselho após ver os cabelos vermelhos incomuns, assim como sua altura acima da média do restante das mulheres da região. Haviam também as roupas de tecidos finos e bonitos misturando cores e o cheiro da pequena casa era forte como a de especiarias.

– Por que acha que se igualar a eles te fará melhor? – é a primeira fase proferida por ela, mesmo antes de Hoseok dizer suas intenções com a visita.

– Pois assim serei mais forte. – prontamente respondeu e obteve apenas um suspirar em réplica.

Seu pedido foi atendido em troca de uma boa quantidade de livros e escrituras novos, além de um saco de ouro para caso restasse alguma dúvida se deveria ou não acatar ao desejo do general.

– Jung Hoseok, deveria tomar cuidado com os sentimentos que carrega no peito ao fazer um pedido. – ela o encara muito séria, como se desvendasse todos os seus segredos para expô-los. Queria que ele se arrependesse e se resguardasse, mas o brilho ambicioso no olhar do homem não se apagou, apenas se intensificou quando ela o deu um pequeno frasco com um líquido escarlate. –Tome e então procure o dragão que quer domar, ele obedecera a todas as suas ordens.

Mal esperou fazerem uma viagem de volta para o reino antes de tomar o líquido e dispensar seus soldados, dizendo que seguiria viagem sozinho, não queria esperar voltarem para então fazer uma nova expedição em busca de seu dragão.

Jung Hoseok era um homem que tinha muito, mas queria mais.

Pediu para que avisassem sua família que voltaria em breve e então partiu para os mais altos montes, montado em um cavalo e com um estoque de comida e água pendurados na sela. Foram mais alguns dias até finalmente chegar ao seu destino final, um antigo reino inabitado que fora tomado como moradia para um dos maiores dragões já relatados pelos reinos.

Era perfeito para o que tanto almejava. Ninguém ousava tentar contato com o dragão que morava ali, pois apesar de serem pacíficos no geral, os humanos inconscientemente ainda temiam criaturas maiores e mais fortes que eles.

Subiu mais degraus do que teve coragem de contar e então no topo um grande salão destinado para bailes e festividades em um tempo remoto agora guardava uma besta colossal e Hoseok mal conseguia ver onde ela começava e terminava de tão grande e por possuir tantas projeções de queratina pontiagudas.

– Dragão! Eu o reclamo como meu, terá de seguir minhas ordens agora.

Ele gritou para o dragão e, refletindo o que prevalecia no interior do homem, o dragão rugiu de volta, estremecendo toda a estrutura de pedra. Seus olhos pareciam duas valas cheias de lava de tão brilhantes pelo fogo que parecia circular dentro de si, diferente do que vira nos outros que criavam fogo ao liberarem substâncias abrasivas pela boca.

O couro era de cor escura, mas brilhava em um dourado fraco quando a luz lunar o atingia pelos vitrais quebrados, era uma criatura linda e assustadora que fazia a respiração do general falhar enquanto o coração tentava compensar o choque pela criatura estar avançando em sua direção.

Hoseok tentara de todo jeito controlar o dragão, mas ele sempre o respondia a mesma altura, rugindo e arrepiando os espinhos que compunham seu corpo, apesar de não o atacar. Tinha a sensação de um enorme poder em suas mãos, pois qualquer outra pessoa já teria sido morta com tamanha facilidade, como se não passasse de um mísero verme.

Chegou a rir com a confusão de sentimentos que o assolavam. Seria imbatível, seria mais do que o orgulho de seus filhos e de sua cidade, poderia se igualar a um rei.

Seus pensamentos, no entanto, foram bruscamente interrompidos com uma tosse e uma dor em seu peito que o fizera envergar para frente e manchar o chão com seu sangue. Rapidamente se vira arrancando a armadura, a malha de aço que usava por baixo e até a blusa de linho para passar a mão no peito desesperado. Por debaixo da pele ele brilhava no interior de suas veias, traçando uma ardência insuportável como se o dragão estivesse o queimado por dentro e naquele momento praguejara por ter bebido o que a feiticeira o dera.

Estranhou ao ver o dragão se contorcer da mesma forma, os globos oculares brilhavam como faróis, assim como rastros de luz saíam de sua boca e narinas. Tentou se aproximar da criatura, mas só conseguira se arrastar um pouco, tamanha dor que sentia, até se ver cego pelo clarão que preencheu o salão pelo brilho que se intensificou vindos dele e da criatura.

Após aquele dia Hoseok desejou jamais ter acordado novamente, não depois de se ver na pele de um dragão. 

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