Capítulo 9 - Homem e dragão não sabem sentir como humanos

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"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo."

Clarice Lispector

A sala simples e aconchegante estava com suas luzes apagadas, deixando de iluminar o sofá de três lugares, uma grande luminária usada para leitura e um tapete felpudo que juntava muita poeira. Haviam muitos porta-retratos espalhados pelo cômodo retratando uma família simples, mas feliz, composta por um casal e seu filho único em dias ensolarados e outros recobertos de neve ou até mesmo cheio de lama devido as traquinices de uma criança.

A única fonte de luz do ambiente era a televisão plasma de 32 polegadas ligada em um jornal local, o qual fazia naquele momento um especial sobre os recentes desaparecimentos nas estradas em volta.

Geralmente os veículos apareciam destruídos ou tombados sem uma explicação plausível para o acidente e as pessoas que neles se encontravam sumiam sem indícios de para onde poderiam ter ido.

Buscas estavam sendo realizadas nas áreas próximas, mas pelo tempo entre os acidentes e o início das buscas não batia a possível distância que as vítimas poderiam ter percorrido, tornando o caso cada vez mais misterioso e recorrente nas mídias socias.

O último acidente acontecera na semana que passou. As filmagens mostravam a vista da pista do alto, rodeada pelos pinheiros que costumava tornar uma estrada bonita de passar, no entanto, em uma certa região. ela estava com algumas árvores tombadas e um grande caminhão frigorífico atravessava os dois lados da pista.

O repórter explicava que o caminhão deveria ter se chocado com algum objeto que fizera o motorista perder o controle, porém nada por ali poderia ter batido contra a lataria, nem mesmo as árvores tombadas para o lado oposto e não haviam outros veículos no local. Tudo acontecera como todos os outros casos, sem pistas concretas e sem pessoas no veículo.

A única mudança que havia daquele para os outros acidentes era que o compartimento de carga, o qual estava repleto de carnes de acordo com a transportadora contratada, estava agora completamente vazio, restando apenas o sangue e o cheiro fétido de composição por estar sem refrigeração.

A polícia continuava com os argumentos de que estavam investigando e procurava por parentes das vítimas, um homem com seus quarenta anos e seu filho que o acompanhava na viagem.

Naquele momento a sala foi preenchido pelo som agudo do telefone tocando, assustando a pessoa que ali se encontrava. Após o susto, aproximou-se do aparelho, pensando se atenderia ou não, tinha medo do que poderia ser falado naquela chamada.

Alô? É a senhora Park? – escuta a voz de uma senhora do outro lado da linha – Queríamos algumas informações básicas para ajudar na investigação, teria como vir até a delegacia? Nós sentimos muito pela... – o baque do telefone no gancho encerrou a ligação.

A televisão logo também foi desligada, não queria mais ouvir suposições e achismos sobre o que poderia ter acontecido ou não, mas que de qualquer forma acabou em um fim trágico.

Subiu pelas escadas ainda com a casa toda apagada, conhecia tão bem cada parte daquele imóvel que poderia andar de olhos fechados. Seguiu até o armário onde guardavam objetos entulhados, fossem caixas, papéis antigos e até a espingarda usada para caçar patos selvagens.

Esticando-se na ponta dos pés, agarrou a prateleira mais alta, puxando uma caixa empoeirada com dificuldade até que quase caísse sobre si. Colocou no chão aos seus pés e assoprou a tampa antes de abri-la, revirando tudo o que havia ali até desistir e virar o conteúdo no piso, espalhando papéis gastos e objetos, como bibelôs, entretanto não o que realmente buscava.

VorlianthOnde histórias criam vida. Descubra agora