Dover

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Éramos foras da lei e fugitivos. Após três dias na estrada, apressando os cavalos e dormindo entre as árvores durante a noite, finalmente chegamos à Dover. Esta era uma cidade portuária do litoral da Inglaterra; dela os barcos partiam rumo à Calais, na Normandia, atravessando a parte mais estreita do canal de mar que separava os reinos.

Estávamos exaustos, sujos e mal-humorados. Por causa disto Elizabeth insistira para que pernoitássemos na melhor hospedaria da cidade, a mesma onde ela e John haviam descoberto o amor que sentiam um pelo outro, conforme nos contara.

Isso fez com que todos quisessem conhecer o local. E além disso imaginávamos que jamais procurariam por bandidos na construção suntuosa, semelhante a um castelo, situada sobre um dos penhascos que beiravam o mar.

 E além disso imaginávamos que jamais procurariam por bandidos na construção suntuosa, semelhante a um castelo, situada sobre um dos penhascos que beiravam o mar

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Em nossos aposentos havíamos nos banhado e vestido túnicas vistosas. Por fim, nos dirigimos ao salão, onde agora jantávamos entre as músicas dos menestréis e rodas de danças.

Paul e Aline davam as mãos e sorriam um para o outro, enquanto dançavam. Percy fazia o mesmo com as damas de companhia de Aline, uma morena e outra ruiva, ambas jovens e alegres; provavelmente planejava ensinar as regras do amor à uma delas, ou até quem sabe, às duas. John e Elizabeth estavam abraçados diante de uma das janelas amplas, que davam vista aos penhascos e ao mar adiante. Elizabeth apoiara as costas no peito dele e John tinha o rosto entre os cabelos dela; os dois eram a imagem do amor realizado e satisfeito.

Em meio a toda aquela alegria, eu estava estranhamente quieto. Sentava-me em uma mesa, ao lado de Gillian e Thiago, que trocavam amenidades entre eles.

Eu não participava da conversa e em dado momento cansei-me de tantas vozes e cantorias ao meu lado. Levantei-me com um suspiro e caminhei em direção à  porta que se abria  para uma varanda.

Deixando Elizabeth por um instante, John interrompeu meus passos.

— Para onde vai? — questionou-me com olhos apreensivos.

Fingi um sorriso.

— Apenas admirar a paisagem. Faz muito tempo que não vejo o mar — respondi, já me adiantando para passar por ele.

Entretanto, John segurou meu braço e me reteve novamente.

— Não se afaste! Fizemos muitos inimigos nos últimos dias.

— Fique tranquilo! Eles estão longe daqui — repliquei. —  Vou encontrar-me com uma dama... — menti descaradamente, esperando que assim ele se tranquilizasse. Tudo o que eu mais queria era ficar sozinho.

A mentira funcionou. John imediatamente me soltou e bateu no meu ombro em um gesto de apoio.

Torci os lábios em outro sorriso falso e enfim dirigi-me para a varanda.

O local era amplo, decorado com vasos de flores e árvores baixas. Casais passavam, e vi Guillaume sentado em um banco; ele tocava o alaúde para uma dama, certamente tentando uma conquista. Vagueei por ali um tempo, até que cheguei à amurada baixa que beirava o lugar. 

Um pouco abaixo dela, uma trilha seguia pelo platô sobre os penhascos.  Pulei para lá e comecei a andar pelo caminho estreito, enquanto contemplava a bela paisagem ao meu redor.  O sol começava a baixar e a luz refletia no oceano e nas paredes brancas dos penhascos do outro lado da baía, colorindo-os com tons rubros. Barcos cruzavam as ondas com suas velas claras e apressavam-se em direção ao porto da cidade que se estendia à beira-mar.

Andei sem rumo e por fim parei próximo à beirada do platô. Ondas explodiam nas pedras muito abaixo de mim. Estremeci, imaginando que seria uma longa queda até o mar, e depois ergui os olhos para o céu. Nuvens douradas tingiam o horizonte e pássaros lançavam gritos estridentes ao vento.

Em meio à toda aquela beleza, eu recriminava-me por estar infeliz, sem que pudesse dizer exatamente o motivo. Amanhã atravessaríamos o mar; em mais alguns dias eu chegaria à Poitiers, um lugar que sonhava conhecer desde a infância e onde finalmente reencontraria Marion.

Era tudo o que eu mais desejava e, no entanto, angustiava-me. Eu ardia por Marion e ao mesmo tempo receava revê-la. Eu a amaria tanto quanto antes? Conseguiria conquistar o amor dela? Um dia seríamos apaixonados  como John e Elizabeth, ou alegres como Aline e Paul, que amavam-se sem medo do incerto futuro que enfrentariam?  Dezenas de perguntas sem respostas passavam por minha alma em um torvelinho caótico e as certezas que tinha ao deixar Locksley apagavam-se.

Mais ondas rugiram como trovões, lambendo o penhasco abaixo de meus pés. Sentia-me como o mar, rebelde e cheio de correntezas profundas que não me permitiam pensar racionalmente. O vento estava forte e uivava entre as pedras. Dentro de meu peito lobos também uivavam, ordenando-me que retornasse à festa, afogasse meu desejo nos braços de uma garota qualquer e esquecesse meu impossível amor por Marion.

Algumas noites ardentes trocando juras de amor com uma garota e eu voltaria a me alegrar...

Talvez a dama de companhia de Aline, uma ruiva que tentou nos conquistar no dia anterior com olhares lânguidos e lábios avermelhados?, o demônio sugeriu em minha mente,  abraçando um dos lobos, sorrindo e erguendo asas de morcego.

Meneei a cabeça um sim em resposta, conversando comigo mesmo; a visão do mar e o horizonte sem fim haviam me deixado ainda mais solitário. A angústia fechava minha garganta, e a sensação era quase insuportável. 

Uma noite divertida e escaldante, decidi-me enfim, irá me curar desta horrível solidão. Afinal, como eu mesmo  sempre digo,  não sou um maldito monge!

De súbito ouvi uma ruído metálico atrás de mim e percebi que não estava tão sozinho como imaginava. Voltei-me, assustado ao escutar uma risada que assombrava meus pesadelos.

Um vulto encapuzado erguia uma espada e vinha em minha direção. Ele parou por um momento e puxou o capuz para baixo. Olhos verdes me encararam com um brilho metálico e medonho.

Afastando-me da beira do precipício, puxei minha espada da bainha e coloquei-me em guarda. Meu  coração batia rápido e o pavor gelava meu corpo.

— Gawain?!— indaguei, arregalando os olhos, entre surpreso e horrorizado.

SOBRE AMOR E LOBOS Vol. 2,5: Regras de Amor e Guerra (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora