Congestionamente

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Uma quantidade massiva de carros me atropela a cada minuto
Sinto que meus nervos estão sendo beliscados até se torcerem em laços

Me enlacei em um presente sem valor
Talvez até seja passado

Cansada de escrever talvezes e nunca certezas
Cansada de só ter incertezas oferecidas por mãos sujas

Em todo atropelamento
O motorista sempre é fantasmagoricamente parecido com um-dia-meus-amores

Em cada pescoço quebrado
Em cada último suspiro
Cada cadeira derrubada com pés assustados

A corda no chão borda minhas iniciais

Acordo com um soco no estômago
Toda manhã
Tais vezes são morte sem UTI
Sem maca e sem soro

Dessa doença não sou o remédio, ainda que seja a causa
Tornando pestilentos os mais belos rostos
E fedorentos os mais frescos sopros

Sem horário de visita, fui aprisionada sozinha
Amarrada em rodovias, pendurada em pontes
Presa em camas com lençóis brancos

Sangramento invisível
Gritos inaudíveis
Fraturas internas

Nenhum doutor capaz de me diagnosticar
27 anos de uma não-vida
Incapaz de se salvar

Após comprimidos e mais comprimidos
Chega a receita

Duas doses de whisky
Um carro e um freio quebrado

Acelero em direção ao infinito
Faço do monstro de aço uma escultura abstrata
E do meu corpo um berço de eternidades finitas

Laudo médico? Gripe.

Onde Lágrimas Se Tornam RiosOnde histórias criam vida. Descubra agora