Recepção

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Logo que termino de me vestir, alguém bate à porta. "Entre", eu respondo automaticamente. E Rosa entra, fechando a porta atrás de si.

— Está linda! Pronta para conhecer nossa Casa?

Novamente! Por que ela insiste em omitir a palavra que define esse lugar? Afinal, não é uma cadeia como outra qualquer? Ou não. Em que cadeia tenho um quarto confortável, com espaço para pertences? E, mais: sem grades! Um grande disfarce! Se não me prendem, não é por confiança, mas porque não há para onde fugir! Minha Alcatraz não é cercada de mar, mas, de uma interminável mata!

— Sim, claro. — respondo, distante e desinteressada. "Tome o tempo que precisar", ela disse? Não me deu mais de quinze minutos!

Ela me dá um sorriso contagiante! Mas, não me contagia. Em qualquer outra circunstância, seria de me derreter! Mas, não. Estou tão cansada! Cansada demais! Não apenas por ter passado a manhã toda balançando na estrada esburacada de barro, mas, principalmente, porque essa novela se arrasta há quase uma semana. A sensação de exaustão me faz companhia desde que eu fui presa, voltando da faculdade. Desde então, minha rotina se resumiu a esperar meu julgamento — do qual sequer pude participar —, tomar um banho por dia e fazer duas refeições porcamente preparadas. Não fosse o clima de incerteza, parece-me que esse estabelecimento poderia ser um alento. Mas, como? Eu fui completamente privada de minha liberdade sem causa aparente nem aviso prévio.

Saímos do quarto e seguimos pelo longo corredor. Rosa parece um guia turístico, com as falas ensaiadas na ponta da língua.

— A Casa Correcional Amanda Magalhães foi construída por ordem do governo em tempo recorde: apenas 3 meses! — ela parece orgulhosa como se houvesse sido um feito pessoal seu — Leva o nome de sua idealizadora, que também é quem cedeu vasta porção de sua propriedade para a construção e instalação da Casa. A casa foi construída toda em madeira, como pode notar, e, curiosidade: Todo o imóvel foi construído com a madeira das árvores que foram derrubadas para formar a clareira na qual estamos situados. À nossa volta, por alguns quilômetros, só encontramos mata, rios e, ocasionalmente, pântanos. Por isso, toda a circunscrição do terreno tem uma cerca telada eletrificada, para evitar a intrusão de animais perigosos, como onças, queixadas e, acredite se puder, jacarés! À sua direita, você já conhece, é nossa sala de Estar. É por onde todos entramos, quando não estamos vindo pelos fundos. À nossa esqu... — ela se interrompe, e retoma a fala, ligeiramente assustada — do lado oposto, um grande salão que usamos como sala de jantar.

E assim seguimos. Reparo que Rosa não abandona o cuidado de não voltar a falar a palavra "esquerda". Chega a ser estranho como ela sempre gagueja, perde volume de fala e fraqueja quando precisa descrever algo que esteja no seu lado esquerdo.

Quando iríamos sair para conhecer o espaço externo, um sinal soa, anunciando o meio-dia.

— Nossa! Já estamos sendo chamadas para a refeição? — surpreende-se rosa — Nem senti o tempo passar!

Eu continuo andando, pois quero sair de dentro dessa casa. Estou sufocando, aqui. Mas, Rosa segura meu braço e, fazendo um gesto com a cabeça, me convida para a sala de refeições. Sem perder tempo esperando, pegamos nossas bandejas e pratos, e nos servimos. Enquanto nos sentamos, chegam as demais... detentas. "Pacientes", Rosa diz, "somos pacientes". Diversamente do que eu esperava — que entrassem com fome e fossem se servir —, uma a uma vem a mim, festiva, demonstrando uma alegria em me ver que me faz perguntar se eu não já as conheço e não me lembro. Verdade. Não parece que eu sou uma completa estranha recém-chegada, mas, filha, irmã, ou amiga de infância de cada uma delas.

E, no entanto, há algo de perturbador em tanto afago e familiaridade. Como se todo esse calor delas comigo não fosse estranho por si só. Posso notar que algumas delas olham em volta, desconfiadas, como se buscassem a aprovação de alguma das outras garotas, ou de alguém externo, por ter me cumprimentado. E ninguém aparece para corresponder ao olhar.

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