Oportunidade

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Eu não consigo dormir. Não sei se quero. Estou apavorada!

Eles se foram já faz... não faço ideia de quanto tempo. Mas, não consigo mais me sentir aliviada! Ali na região do meu corpo onde já morou o prazer, só resta dor, nojo, sofrimento!

Sinto um corrimento descer pela minha nádega e se espalhar na minha cama. Que nojo! Que nojo! O sêmen sujo de estupradores!

Não paro de chorar. Depois da última tapa e da tentativa de estrangulamento, meu rosto está voltado para o lado, e não paro de olhar para o vazamento de neblina. Nunca consertaram! E agora já não me importa!

Preciso executar meu plano. Preciso sair daqui urgentemente!

A neblina para de entrar repentinamente. Não dilui, não dissolve. É repentino, imediato. Aquilo não parece acidental. É o maldito gás de que falaram! Por isso as máscaras!

Se Deus existe, ele me odeia! E eu o odeio, também! Nunca fiz mal a ninguém. Tive minhas namoradas ou, quando solteira, saía com garotas, mas não fazíamos mal a ninguém. Por muito tempo, eu quis ser hétero. Não me aceitava como eu era, porque achei que nunca ninguém aceitaria. Mas, eu me lembro de quando contei pra minha mãe.

— Você sempre será minha filha. Não importa com quem durma, eu só te quero feliz!

Mãe! O que fizeram com sua filha?

Caramba! O tempo não passa! Chronos também quer me castigar? Pelo quê? Repentinamente, tenho a sensação de tropeço, como quando estamos muito cansados e pegamos no sono. O que é isso? Sinto que sou capaz de me mover, novamente. E tudo o que faço, nesse primeiro momento, é me recolher e abraçar minhas pernas. Choro em posição fetal.

Algum tempo passa, e, finalmente, soa a campainha para acordarmos! Sei que é esperado que eu vá para o refeitório, para comer o café da manhã, mas, vou direto ao banheiro. Lavo-me tanto, que chamo a atenção de outras duas pacientes. Teriam elas passado pelo mesmo que eu? Mas, eu preciso expulsar aquilo de dentro de mim. Introduzo o sabão para lavar. Sei que não devo, mas, nem isso me devolve a sensação de limpeza.

Ao fim do banho, visto o uniforme do trabalho, e sigo para o refeitório. Todas olham para mim com ternura. O que sabem? O que poderiam saber?!

— Você está bem? — finalmente uma delas me pergunta.

"Não!", penso, "Como poderia estar?!".

— Como assim?

— Sabemos do que aconteceu. — outra responde.

Começo a chorar! Como podem saber? E como podem não sair de um lugar tão perigoso? Estupram mulheres indefesas aqui dentro!!! Tento conter o choro, para não demonstrar instabilidade emocional, mas, é mais forte do que eu. Eu soluço!

— Não foi sua culpa. Ela havia atirado na artéria femoral. — disse a primeira — Não se culpe.

Eu de repente me dou conta de que não falávamos da mesma coisa.

— Eu sei. — respondo — Me perdoem. É que... Não é todo dia que alguém morre em nossos braços!

Todas pareceram concordar e compreender. Alguma humanidade ainda existe nelas, enfim!

— Você não quer repousar um pouco?

— Não.

— Você acha que tem condições de retornar às atividades?

— Sim. Posso trabalhar! É bom ocupar a mente.

Com esse comentário, espero, ainda consigo me incorporar no comportamento desejado, de recuperação por meio da integração e do trabalho, e ganho a confiança da Casa.

— Só mais uma coisa. O que são esses hematomas no seu rosto?

— E-eu... ehhh... — gaguejo um pouco, mas, respiro e reinicio a frase — Eu caí da cama. Não comenta por aí, por favor! — como se eu não soubesse que logo, logo todas teriam conhecimento do relatório dessa conversa — Sempre tive esse problema. Morro de vergonha!

Passei a manhã no jardim, e cumpri todas minhas tarefas lá. Já soou a convocação para o almoço e, como o habitual, o grupo de caça, agora chamado de Brigada de Defesa, está todo fardado para iniciar os treinos após o almoço. Dirijo-me a elas.

— Boa tarde!

— Boa tarde, Raísa. — responde Dalia — Soubemos do seu esforço ontem para salvar a Samara. Não entendemos como ela se feriu daquele jeito.

— É... eu fiquei muito triste. Ela pediu que eu tomasse o lugar dela no grupo. Que eu não... eu não vou repetir as palavras dela, mas, ela disse que cometeu um erro... estúpido. — simulo uma vontade de chorar — Desculpa. Essa foi a palavra dela. Ela disse que não havia nascido para isso, e que estava pensando em desistir, quando se distraiu com a arma destravada e... vocês já sabem o resto.

— Muito triste. Você pediu para entrar, não foi?

— Sim. Ela veio com essa conversa de que tinha tirado meu lugar. Eu ainda disse que ela parasse com aquilo, que ela iria voltar para a brigada em breve e que eu fui descartada por outro motivo... — uma lágrima escorre pelo olho, e enxugo — Mas, ela não arredava o pé; insistiu em me dizer que eu devia substituí-la, pra restabelecer a ordem, reparar o dano de ter tomado o meu lugar.

— Não vejo por que não satisfazer a vontade dela, se você quiser. Laura, o que me diz?

— Você quer, Raísa? — interveio Laura.

— Eu não queria entrar numa circunstância dessas, mas... Vocês sabem. Eu tenho interesse, sim, desde o princípio.

— Bem, vamos falar com a encarregada da jardinagem e requisitar você. Vamos ver o que ela diz.

Não demora, e elas estão conversando do outro lado do refeitório. Apesar dos sorrisos irremovíveis de seus rostos, a conversa parece tensa. A encarregada da jardinagem chega a ensaiar um dedo em riste, que é recolhido imediatamente. Finjo que não estou vendo, e tento comer meu almoço, que me desce forçado, goela abaixo. Estou decidida a comer, a sobreviver, a me fortalecer e a sair desse inferno disfarçado de Casa Correcional. Aos diabos com a tal "restauração sexual"!

Estou agora indo com elas para o acampamento, para aprender a atirar e todo o resto do treinamento.

Após o almoço, fiquei sabendo que a encarregada não me havia liberado. Mas, depois do acidente, não há mais nenhuma voluntária, e a Brigada de Defesa já é pequena. Para as estratégias de defesa contra as queixadas ou onças pintadas, o grupo atual não é suficiente. A tela lá fora já está consertada, mas, como o gerador continua com problemas e parando ocasionalmente, não querem mais perder tempo. Tomaram-me à força, mesmo.

Saindo do terreno da Casa, andamos um pouco pela estrada, uns cinco minutos. Não imaginava que seria tão distante. Em seguida, entramos por uma pequena trilha, à direita. Eles parecem obcecados com a direita.

Quando menos espero, adentramos uma clareira. Não tem como ter sido feita em pouco tempo. Aquele acampamento, com certeza, já existia há mais tempo! E a clareira enorme também tem a forma de um hexágono!

— Impressionante, não? — comenta Dalia — Era onde acampavam as centenas de trabalhadores que construíram a casa. O local estava preservado, e só foi preciso arrancar umas ervas daninhas e armar o novo acampamento dos soldados.

Não é possível! Há uns trinta soldados nesse maldito acampamento. Isso atrapalha meu plano, que contava com todas as horas que eles demorariam a chegar, vindos da cidade!

Mas, é um acampamento. Não é permanente. Vou treinar, fazer minha parte, e contar com a partida deles.

Preciso fugir desse lugar!

— Raísa, venha cá!

Ótimo! Meu treino vai começar!


Como sabemos, o fundo do poço é onde começa o impulso da subida.
Será que Raísa consegue escalar para fora do poço em que foi metida?

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