Recado

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Amanheceu ruidosamente, com a campainha anunciando a hora de acordar. Eu não entendo o que me aconteceu. A mão direita dói, e os dedos muito mais! É insuportável! Ela está repousada sob o travesseiro, e, ainda atordoada de sono, a retiro de baixo dele esperando que a dor possa estar sendo causada pelo peso de minha cabeça sobre ela, e...

Que horror! Minha mão, ela... ela está tomada por hematomas! Os dedos, à exceção apenas do polegar, têm cada um a última falange enfaixada! A vista ainda está turva, e não consigo crer no que vejo! Lá fora, a campainha soa insistentemente, aumentando minha sensação de atordoamento.

Minha sensação é de que dormi sob efeito de algum remédio, mas, mesmo muito sonolenta, tento remover o curativo do dedo mínimo. Toda dor faz parecer que vou arrancar a cabeça do dedo, e... espera!

Contenho um grito! É que... quatro sulcos de uma profundidade alarmante formam um asterisco na face interna do meu mindinho! Surpreende que não esteja sangrando.

Essa visão arremessou uma onda de adrenalina na minha veia, como se eu tivesse tomado um sopapo na cara! Mesmo ainda grogue, urge levantar! Preciso levantar, agora!

Num salto, para não haver tempo de desistir, ponho-me de pé. Mas, isso faz minha cabeça latejar de dor, me obrigando a cair de volta sobre o travesseiro. Enquanto tento me refazer, a cabeça pulsando em agonia, olho para o criado-mudo logo ao meu lado, e vejo um envelope. Um novo envelope! Tiro a mão da cabeça. A custo, a estendo e puxo o envelope para junto de mim. Vejo meu nome escrito nele e retiro o papel de dentro. Leio:

"Raísa,
Precisa se lembrar, hoje e sempre, que mesmo o nome 'masturbação' é hediondo, e aqui o repetimos apenas pela inevitabilidade de fazê-lo para lhe advertir. De agora em diante, não haverá advertências nesse sentido, nem será mais admitida essa conduta que é, além de auto destrutiva, danosa a toda a comunidade. Portanto, não mais realize este tipo de abominação nefasta. Que as marcas em sua mão lhe sirvam de lembrete.
Tenha um bom dia!
A Casa"

Eu não creio no que li! Como sabem? Releio. Claro, certamente, me viram com a mão dentro da roupa, quando entraram no quarto.

Levanto, dessa vez mais suavemente. Preciso ir trabalhar, pois, se por uma simples masturbação que sequer aconteceu eles foderam meus dedos, o que não fariam se eu não colaborasse no trabalho?

Termino finalmente de me arrumar, e corro para a porta, que Rosa já começa a abrir.

— Tô saindo, tô saindo. — digo, nervosa.

Rosa já está com a cabeça dentro do quarto, mas, minha aproximação faz com que recue. Mantenho minha mão direita na maçaneta, escondida atrás da porta. Tentando forçar um sorriso, meio sem jeito, ponho a mão esquerda na maçaneta de fora, e, desajeitadamente, escondo a mão direita num dos infindáveis bolsos grandes da jardineira. Como o habitual, deixo a porta entreaberta, mas, é a primeira vez em dias que penso sobre isso. "Estamos sendo vigiadas!", penso, "em toda parte, em todo instante".

Seguimos juntas à sala de refeições. Eu não sinto fome. Ainda me apavora o que me fizeram. Penso em minha mão e na carta. Olho atônita à minha volta. Todas parecem tão tranquilas! Mais do que isso: todas parecem extremamente felizes e sorridentes. Terão alguma vez passado por algo tão drástico quanto a agressão que eu sofrera nesta noite? Eu duvidaria se me contassem, pois todas estavam muito bem.

Não, nada me entra. Mesmo olhar para os alimentos, me embrulha o estômago! Eu definitivamente não tenho apetite.

Mas, as refeições são fartas na Casa. E Rosa, vendo que eu levei à mesa apenas uma torrada com requeijão e um café, já intervém. "Isso não segura ninguém de pé!", e as colegas por perto, também docemente "não... nãonãonãonãonão, você precisa comer, bem.". Logo, diante de mim, está posta uma rica seleção de frutas. Até agora, eu ainda mantinha escondida a mão direita, mas, num lapso de distração, tiro-a do bolso para segurar melhor a grande fatia de melão que me entregavam.

De repente, todas as mulheres à minha volta olham para minha mão. Reforçando a sensação de berlinda, um silêncio constrangedor se faz ouvir, por um intervalo que não deve estar durando mais que uns dois segundos, mas, estou me sentindo aprisionada em uma breve eternidade!

Algumas das meninas desviam imediatamente o olhar, e recomeçaram a comer. Outras mantém o olhar em mim, mas, com evidente dificuldade de sustentar seus sorrisos. Então, aos poucos, cada qual volta a cuidar de si. Minha mão pareceu horrorizar a todas. Até mesmo Rosa mudou um pouco. Peguei sua mão direita e puxei para mim. Linda, imaculada. Nem sinal de dano.

Rosa me olha gravemente, seus olhos de mel ardendo em chamas. Puxa educadamente a mão direita, e fala olhando no fundo da minha retina, a voz ficando mais aguda e ligeiramente rouca, quase inaudível de tão fraca:

— Eu costumava ser canhota...

E lentamente me mostra sua mão esquerda. Enquanto Rosa ergue a mão, a visão me provoca horror!

— Todas recebem o recado, se algo sai do planejado... pela Casa... — ela ecoou as palavras que me havia dito à porta de meu quarto, no primeiro dia.

Mas, o que vejo?! Sua mão esquerda só tem inteiro o dedo polegar. A última falange dos demais dedos havia sido removida. Olho em volta, e o que vejo me arrepia a espinha: todas mulheres olham para mim, sem expressão, enquanto mostram uma ou duas de suas mãos. O mais comum é ver cicatrizes semelhantes ao corte feito em meus dedos, mas... há casos mais perturbadores: algumas não têm mais boa parte do dedo médio, às vezes do anelar também. Um temor começa a me dominar, acompanhado de uma tremedeira incontrolável! Uma senhora sentada ao meu lado abre a boca, fazendo brotar de meu corpo um suor frio, pois o que eu vejo é a última gota que faltava para transbordar meu pânico: além dos dentes, sua língua também está ausente!

Que tipo de lugar é esse? E agora? O que acontecerá a Raísa?
E você? O que está achando? Que tal contar pra a gente?
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