Fuga

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Já faz uma semana que conversei com Rosa. Na manhã seguinte, acordei no meu quarto, como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse sido apagada no corredor. Tive que ir tomar o café da manhã como se nada tivesse acontecido, e sentar distante de Rosa, como sempre fazemos. Uma angústia não me deixava o coração: ela caiu de olhos abertos! O café quase não entrou: a visão do que poderia ter lhe acontecido fez a ânsia de vômito me dominar por toda a manhã.

Ainda na estufa, decidi que não ia aguardar até a noite, pelo aconselhamento sobre a "bulimia". Convenci a encarregada do jardim a expandir o jardim. Pedi ajuda de Rosa para levar o adubo para uma área mais distante. Havíamos recebido uma carga grande da compostagem, porque não demos conta de comer ou armazenar todas as queixadas mortas naquele ataque, e o lixo orgânico mais que triplicou naquele intervalo. Como a encarregada queria mesmo dar fim naquele excesso de adubo, recebeu bem a ideia da expansão do jardim. Então, eu e Rosa carregamos a saca para mais distante, e fiz a pergunta que não conseguia calar dentro de mim.

— Sim. Foi horrível! Eles começaram ali, mesmo, no corredor. — é assustador como ela consegue manter o rosto artificialmente sorridente, enquanto sua voz embargada entrega a salada de sentimentos negativos — E me jogaram de bruços na cama e terminaram lá...

Lágrimas corriam seu rosto, e eu não conseguia conter minha revolta. Com a enxada, revolvi a terra com tanta força que chamava a atenção. Rosa pedia que eu disfarçasse, mas, se eu não descarregasse a raiva com força, eu explodiria. Um enjoo insuportável tomou minhas entranhas e pus para fora tudo o que era possível expulsar, em cima da terra revolvida. Um grito de revolta estava preso no peito.

Naquela noite, sentamo-nos lá fora, novamente, para conversar sobre minha bulimia.

— Temos que arranjar algo que entretenha a todas, de preferência à noite, para dificultar as buscas. Vou preparar tudo para duas pessoas, pois até lá pretendo ter te convencido a vir comig...

— Eu vou. — Rosa falou, resoluta. E tive certeza de que estava sonhando!

Então, era pra valer!

Bem, Rosa não atira, e preciso ter uma arma por nós duas. Para pegar a arma, precisávamos de mais uma chave, e instruí Rosa a pegar a chave de Dalia, pois seu quarto é vizinho, e elas são bastante próximas. Não demorou muito para surgir uma oportunidade, e, em pouco tempo, ela me comunicou que já a havia pego. Perfeito! Agora já temos como abrir o cofre.

Dalia não parece ter sentido falta. Esse, aliás, era outro motivo de termos escolhido roubar a sua chave: ela é de longe a mais desatenta da Brigada, e, mesmo que notasse, até que assumisse que perdeu a chave e reportasse, já teríamos tido tempo de fugir.

No dia seguinte, iniciamos uma campanha. Em datas comemorativas, a Casa tem uma noite de cinema. Começamos a nos mobilizar para que possamos ter isso mais regularmente, e deu certo. Chegou uma carta para todas nós, comunicando que, a cada intervalo de 15 dias, aconteceria uma noite de cinema. Era uma oportunidade de fazerem mais propaganda do regime, já que vídeos instrucionais sempre iniciavam as sessões de filmes. Em poucos dias, iniciaríamos este programa! Passamos os últimos dias nos organizando.

— Raísa, o que estamos fazendo? — ela perguntava quando conversávamos sobre a bulimia, no fim do dia — Eles sempre vencem! Isso não tem como dar certo!

— Rosa, meu amor, você não poderia estar mais enganada. Vai dar certo, e seremos, finalmente, felizes! Juntas!

Sua hesitação vem me incomodando, porque parece que a segurança que ela tinha quando decidiu se esvaiu com o tempo, e só sobrou uma pessoa vacilante. Se ela vacilar na hora da fuga, isso pode ser o fim para nós duas!

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