CAPITULO 5: MEDO

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O que é o medo? O que de fato seria isso? Um sapo gosmento pular em você, uma aranha caranguejeira andando lentamente em seu rosto a noite enquanto você dorme, ou uma cobra passando no piso do seu quarto enquanto você está entretido no computador. Tudo isso pode acontecer e causar pânico nas pessoas, pois o medo é diversificado, mas acho que o vi encarnado naquela noite. Ia muito além de ir num brinquedo alto em parque de diversões, ou uma queda livre num penhasco. O medo se fez carne ali na minha frente, o terror em forma de uma criatura humanóide peluda, com um focinho que parecia de porco, longos braços com garras, e presas afiadas.
Era algo que o próprio inferno criou, gerado pela imagem e semelhança do próprio diabo. Junto com aquele lobo, um cheiro de podre subia, como o de um cão molhado após ter rolado em uma poça de fezes.
Eu estava ali fora com a arma de meu pai e eu precisa agir, ou meu irmão iria virar o jantar do lobisomem. Foi então que sem exitar eu atirei no demônio, que pegou em cheio seu ombro esquerdo, e logo em seguida, após a ferida, a criatura soltou um berro horrível, uma mistura de grito humano de dor com um uivo assustador e gutural. Aquela bala afastou a criatura de perto do meu irmão, e correu para se embrenhar na mata no final da rua de baixo, mas antes de ir, a criatura me olhou com um olhar tenebroso de ódio, que fazia meu corpo parar de tão assustador.
Quando o monstro desapareceu, corri para ajudar meu irmão e o levei pra dentro, com meus olhos atentos para não topar de novo com o demônio e ele armar uma emboscada, mas estava tudo tranquilo por enquanto, e entramos.
O tiro acordou uns vizinhos e logo, a polícia já estava em minha casa me perguntando o que tinha acontecido, e então contei tudo a eles. “Eu estava dormindo quando ouvi os cães latirem, e então, abri a janela para ver o que era, e vi uma grande criatura que parecia um lobo, e justamente nesse momento meu irmão foi se aproximando, e eu temi pela vida dele, porque aquela coisa era muito grande e parecia ser perigosa. Então peguei a arma de meu pai e corri para fora e atirei na coisa que fugiu para o meio do mato no final da rua, eu não...eu não sei o que era aquilo.”
“Lobisomem!”, disse José Maria Cunha, o delegado da cidade. Sua postura não era de surpresa, e não duvidou de nenhuma palavra dita por mim, embora alguns policiais não tivessem acreditado. “Senhor delegado? Quando foi que chegou aqui?” perguntou um dos policiais surpreso com a aparição do delegado. “Resolvi fazer uma ronda também por causa desses boatos da fera aqui na região, por coincidência parei aqui ao ouvir um som de tiro e ao chamado de vocês no rádio.” Explicou José.
“Você disse lobisomem delegado? então acredita mesmo nesses boatos?” disse meu irmão Pedro, ainda muito assustado. “você quase foi devorado rapaz, e ainda tem dúvidas? Era um lobisomem, e o que parecia estar apenas nas fazendas causando terror, agora está na cidade provocando mais algazarras, a fim de fazer vítimas humanas.” A convicção que José tinha a respeito dessa coisa era assustadora, pois ele parecia ser expert no assunto lobisomem. “Diga-me, rapaz, como ele era?” perguntou o delegado. “Bem, diferente de tudo o que vemos nos cinemas e seriados. Tinha orelhas grandes como a de um pastor alemão, mas que poderiam ser facilmente confundidas com chifres. Seus olhos eram negros mas na luz emitiam um certo reflexo amarelado. Seu corpo era bizarro, com partes com pelo e outras sem, principalmente na região da barriga. Os braços eram longos, e quase arrastavam no chão, e suas pernas eram bizarras, como se fossem quebradas. Acho que era só isso, aliás, seu rosto não parecia de um lobo, mas sim de um porco ou algo do tipo”.
Os olhares dos policiais ao ouvirem minha descrição eram um misto de medo e incredulidade, mas não havia como discutir, já que o próprio delegado já havia dado seu veredito. O que vimos era um lobisomem. “As descrições são as mesmas de Francisco e seu filho, o que me leva a crer que é a mesma fera, e não mais de uma. Agora vamos dar mais uma ronda, e caçar a coisa. Se está ferida, será fácil descobrir amanhã quem é que está se transformando nesse diabo e qual o interesse nisso tudo”. Disse José confiante com uma expressão super normal, diferente dos policiais que estavam com ele. “Vou indo senhores, peguem a viatura e me sigam.” Ordenou José aos policiais.
A essa altura, muitos vizinhos estavam lá fora, perguntando o que tinha acontecido. Meu irmão e eu fomos orientados a não tocar no assunto por enquanto, então dissemos para os curiosos de plantão que era apenas um bandido que tinha parado meu irmão para roubar sua moto, e os cachorros da rua atacaram o criminoso e eu aproveitei e dei um tiro nele, que imediatamente fugiu para se esconder no mato, e agora a polícia iria perseguir ele. Aquilo pareceu convincente, então logo todos fomos para nossas casas e fomos dormir, ou pelo menos tentar, já que algo me dizia que aquilo poderia voltar a qualquer momento.
José, o delegado, tinha meu número para contato agora, então recebi algumas horas depois uma mensagem que dizia: “Josué, estou enviando guardas para fazer rondas por ai, fique tranquilo, qualquer coisa, fale agora diretamente comigo.” Após ler aquilo fiquei mais tranquilo, porém, Pedro e eu não pregamos nossos olhos, pois a cada abrir e fechar de pálpebras, viamos a imagem da besta em nossa frente, e podíamos ouvir ecoar em nossas mentes, aquele som horrível e ensurdecedor do lobo.
Já eram 5:30 da manhã, meu despertador tocou, mas eu já estava acordado, pois não pregamos os olhos naquela noite. Meu pai me ligou, dizendo que os vizinhos mandaram mensagem para ele perguntando se tava tudo, pois um ladrão havia parado Pedro na porta de casa e houve disparos. Então eu o acalmei em meio de sua euforia e disse que tava tudo bem. Então ele disse que chegaria em 1h, ele iria fazer plantão, mas foi dispensado após ele saber do ocorrido. Pedro passou a noite toda em silêncio, respondia poucas palavras, mas finalmente disse alguma coisa olhando em meus olhos. “Eu estava duvidando de tudo isso, mas o Chico tem razão, o que atacou seus animais não era humano. Me desculpa mano, se não fosse você ali na hora certa, eu teria morrido, teria sido pego por aquela coisa…”
“não precisa se desculpar. Olha, eu sinceramente gostaria de ter uma explicação lógica para tudo isso, mas não tenho. É de fato algo sobrenatural, e José sabe de alguma coisa que não sabemos. Ontem de manhã um senhor nos contou um relato sobre um ataque que ele sofreu por um lobisomem, acho que ele deve saber muitas coisas também, vou dar um jeito de procurar ele e tirar umas dúvidas.” disse ao meu irmão. “Eu vou com você mano, quero saber mais sobre isso também. Eu não estou crendo até agora...o som que aquilo fazia era...sei lá, nem quero falar mais sobre isso, só quero saber se aquele bicho está morto, pois seu tiro foi certeiro, e se era mesmo um lobisomem, na forma humana, qualquer um aqui na cidade com um tiro no ombro será suspeito. Bora investigar isso depois?” Diz pedro se levantando da cama.
“O que? investigar? Cara, José já fará isso, ele é delegado e nós somos o que? o que um padeiro e um auxiliar administrativo podem fazer? Já tiramos nossa dúvida, sabemos que essa coisa é real, não é da nossa conta.” Respondi abismado com o absurdo dito por Pedro. Meu irmão tinha sangue quente e era aventureiro em todos os sentidos. Uma vez um garoto no ensino médio me bateu depois de eu me recusar a passar cola pra ele nas provas. E quando meu irmão soube disso, ele ameaçou o garoto na saída e deu uma rasteira no infeliz, que caiu de cara no chão. No outro dia, esse garoto veio com uma gangue inteira para me pegar, meu irmão já desfiado que o garoto iria se vingar apareceu lá na hora da saída para me buscar, e com um pedaço de pau, ele bateu em todos os moleques tranquilamente. Pedro sempre foi o contrário de mim, mas nunca foi um péssimo irmão.
“Isso não vai ficar assim, aquela coisa me fez cair da moto e ela tá quebrada agora e toda arranhada. Eu vou dar um jeito se a polícia não der.”. “deixe de ignorância e esquece isso” Respondi. “Relaxa, por enquanto, não vamos falar nada pro nosso pai não, vamos continuar falando que foi um bandido, afinal a polícia que nos orientou a fazer isso.” Disse Pedro me advertindo.
Eu precisava ir trabalhar, e claro que Ceci não estava incluída nessa de “não conte para ninguém o que vocês viram”, eu estava louco para contar pra ela. Às 6h da manhã, estava a caminho do trabalho, quando passei por Léo. Ele estava com um cachorro negro, o mesmo que vi na caminhonete no dia passado, porém apenas um, já que na primeira vez, eram dois cães e não um. “Opa, Dia, Josué, tá bão?” disse com aquele sotaque caipira. “Tô sim, só com sono, mas to bem. Porque já está acordado?”
“Tô procurando o irmão desse grandão aqui, trouxe eles da fazenda, porque meu pai ficou com medo do bicho atacar eles, mas um deles essa noite escapou do portão. Eles estão acostumados em sair e voltar, mas dessa vez não voltou.” Disse Léo, num tom de voz preocupado. Na hora me veio um flash de memória, da criatura que jogava os cães longe enquanto eles latiam para ele. Provavelmente aquilo tivesse pego o pobre cachorro do Chico e espancado até a morte ou até devorado o pobre cãozinho. “poxa cara, espero que você o encontre, qualquer coisa se precisar de ajuda, me avise.” Disse a ele. Pensei em falar para o Léo o que eu vi, já que vimos provavelmente a mesma criatura, mas isso levaria tempo, então apenas me despedi e segui caminho, pensando em como falar isso para Ceci e se ela acreditaria. Chegando fiz o mesmo ritual, cheguei um pouco antes, então fui ao banheiro, joguei uma água no rosto, arrumei meus cabelos e coloquei a toca. Estava muito difícil se manter acordado aquele dia, então bebi um copo de café meio amargo em goles rápidos, na intenção de fazer o sono da noite de terror passar logo. Enquanto eu saboreava meu café, meu patrão, o Otávio, veio até mim com uma expressão séria, como se estivesse preocupado. “Meu filho, tá tudo bem? Soube que aconteceu um assalto ao seu irmão.” “Ah, sim seu Otávio eu to bem sim, meu irmão tá bem, não conseguiram levar nada não.” respondi. “Graças a Jesus, estou sempre orando por vocês, o sangue do cordeiro cobriu vocês nesta noite, foi um livramento dos grandes. Se precisar de algo me avise, quando terminar o café, preciso que vá ao banco pra mim, fazer um depósito.” “Tudo bem então” Disse ao meu chefe.
Após terminarmos a conversa, Cecília chegou e me deu um soco no ombro. “COMO ASSIM ACONTECE UM ASSALTO E VOCÊ NÃO ME LIGOU?” Disse indignada com minha atitude. “Ou, que isso, não precisa de estresse, já te conto tudo, e é melhor se sentar, porque o que você vai ouvir por enquanto é um segredo nosso, e é cabuloso demais…”. Respondi.
“Ai seu exagerado, conta logo deixa de drama, como assim roubaram seu irmão?”. “Não roubaram, mas por pouco ele não morreu.” Disse eu a Ceci enquanto eu a via arrumar sua toca em seus cabelos ruivos. Ela estava vidrada em tudo o que eu falava. “Soube de tiros, acordei louca de preocupação, te liguei e você não atendeu.” “Acabei deixando o celular em casa, meu pai nãos deve ter ouvido porque ainda não tinha chegado em casa, mas enfim. Não foi um ladrão, ontem eu atirei no lobisomem Ceci. Ele veio até a minha rua, e meu irmão por pouco não foi atacado.”
“Mas que caralho é isso que você tá me contando, como assim? Tá zuando né?” disse Ceci com os olhos esbugalhados. “Bem que eu queria estar brincando, mas você me conhece e sabe que humor não é comigo.” Respondi.
“Me conte como foi isso depois, ta chegando clientes ai, depois falamos melhor sobre isso”. Não demorou muito e uma fila se formou no balcão da padaria. “Josué, fica ai, eu mesmo faço o deposito depois, ajuda a Cecília a atender.” Disse Otávio meu patrão. Fiquei atendendo ali louco para aquele senhor que contou seu relato aparecer novamente, mas nada dele aparecer. Dentre tantos rostos, só queria vê-lo, e tirar algumas dúvidas. O celular da padaria começou a tocar, e então Ceci atendeu. “Padaria Pão nosso, Cecília, bom dia, em que posso ajudar?” Disse com um tom doce e gentil, coisa que só por telefone ela demonstrava. Pois seu tio, Nosso patrão acreditava que um sorriso poderia ser ouvido em uma ligação, então tinhamos que sorrir enquanto falávamos por telefone. Passado alguns segundos, ela me chama. “Josué, é para você, é o delegado”. Engoli em seco quando ouvi isso, e caminhei com o coração acelerado até o balcão e peguei o telefone. “Olá, Josué. Gostaria que vinhesse aqui no meu escritório na delegacia, gostaria de falar melhor com você, pois temo que esteja em perigo.”

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