Às palavras do delegado me fizeram gelar, e foi notório o meu pavor, pois Ceci percebeu minha palidez. “Tá tudo bem?” Disse ela sussurrando com um olhar de preocupação. Acenei com a cabeça em sinal de sim, e continuei falando com José, o delegado. “Ok, passo aí depois, vou falar com meu patrão aqui.” Respondi. “Tudo bem, se apresse, tenho que te explicar algumas coisas, nos vemos aqui então, até mais”. Nos despedimos e então ele desligou o telefone. Fiquei ainda alguns segundos ouvindo o som da ligação desligada, pois fiquei preocupado, olhando pro nada, imaginando de o porque eu estar em perigo. Ceci ficou preocupada também, atendendo os clientes mas sempre olhando pra mim, curiosa para saber o que estava acontecendo. Quando as coisas normalizaram na padaria, eu contei tudo pra ela, e dei mais detalhes sobre a noite passada. “Por favor Ceci, você precisa acreditar em mim, o que te falei foi real. Ontem, ouvi cães latindo sem parar na rua, como se estivessem brigando com algo, quando comecei a ouvir grunhidos e rosnados fora do comum. Então quando abri um pouco a janela, vi a criatura de pé, jogando os cachorros longe, e ele já estava lá, parado de frente a porta de minha casa, no meio da rua. Foi quando Pedro chegou e ao ver o bicho, ele caiu da moto, então pulei a janela com a arma de meu pai em mão e acertei a criatura em cheio.” Disse a Ceci com um tom eufórico. “Hey calma ai, mano, eu acredito em você, na verdade, preciso te contar uma coisa, nesta noite, eu me levantei de madrugada para beber água, então saí da cama meio sonolenta, e fui até a cozinha. Ao passar pela sala, eu pude ver pelo blindex, o que parecia ser um grande cachorro correndo na rua, e era tão grande que eu ouvia suas patas baterem no chão e fazerem um som semelhante a um galope de cavalo. Eu me assustei com aquilo, mas passou tão rápido que me convenci ser um cachorro grande ou algo do tipo. Mas, você falando isso, e depois de todos os vídeos e fotos, não tem como negar, tem um lobisomem nesta cidade”. Disse Ceci com os olhos cheios de lágrimas, ela sempre ficava assim quando estava com medo de algo. “É parece que a lenda imitou a realidade e não vice e versa, temos um ser sobrenatural real por aqui, e o delegado disse que posso estar em perigo, mas não sei o que ele quis dizer com isso.” “Talvez o fato de você ter atirado no bicho, e chamado a atenção da criatura que agora sabe onde você mora?” Disse Ceci com aquele deboche insuportável. “Porra Ceci, agora me deixou mais preocupado ainda.” Respondi. “Ué, mas não é óbvio? porque você acha que estou com essa cara de preocupada aqui?” Falou Ceci com os olhos cheios de lágrimas novamente. “Fica de boa, vou ficar bem, o delegado tá do meu lado e se ele me ligou, é porque talvez ele queira tomar alguma providência.” Disse eu.
“Que assim seja então, porque não só você mas todos dessa cidade estão em perigo.” Disse Ceci enxugando os olhos e colocando um sorriso forçado no rosto para atender um cliente que havia acabado de entrar.
Não demorou muito, e não havia mais como esconder da população. Muitos naquela noite viram a besta rondar suas casas, as ruas, e alguns lotes baldios. Seu uivo podia ser ouvido a longas distâncias, e em todas as redes sociais só se falava nisso, no lobisomem de Santa Helena de Goiás. Muitos já haviam prometido caçar a criatura, e um grupo de homens caçadores se formaram para pegar o lobisomem naquela mesma noite, e fazer uma tocaia para ele. Mas o que de fato estava me tirando o ar, era as lembranças do olhar daquele demônio que parecia querer me estraçalhar igual aos animais da fazenda do Chico, e pelo o que parece, eu estaria em apuros. Quando chegou o meio dia, eu nem sequer me preocupei em almoçar, corri para a delegacia e fui me encontrar com o delegado. Chegando lá, entrei pelas grandes portas de vidro da delegacia, com suas paredes bem pintadas na cor preta com o símbolo da polícia militar gravado em vidro nas paredes, e algumas plantas como decoração na entrada. Fui diretamente na secretária que já sabia sobre minha presença ali, e já me levou até a sala do delegado. Ao passar pelo corredor principal que dava a inúmeras salas, entrei na sala cujo a mesma tinha uma plaquinha escrito “Delegado Sr. José M. Cunha.”
“Bom dia, ou melhor boa tarde, Josué, sente-se aqui, quero falar umas coisas para você”. Disse o delegado após eu mal abrir a porta. “Boa...tarde senhor delegado”. Respondi ao comprimento ainda meio confuso com tudo aquilo. “Me chame só de José, meu caro. Fique a vontade. Pois bem, a respeito desse alvoroço todo, já recebemos várias ligações, e o que eu temia está acontecendo, a cidade está em pânico.” disse José. “Olha, eu sei que aquilo quer me devorar por eu ter dado um tiro nele, não vou esconder meu pavor. Eu estou com medo de andar sozinho até mesmo de dia, o que eu vi ontem foi…” “traumatizante né?” disse josé, completando minhas palavras com as dele. “Quanto ao seu medo, não se preocupe, eu sei como é, pra te falar a verdade, já enfrentei essas bestas por muito tempo, e meu primeiro encontro com uma foi na infância, quando eu ainda morava num sítio, e aquela diabo tentou arrombar a porta de madeira para pegar meus irmão e eu. Mas meu Pai, muito corajoso, enfiou uma bala no focinho do monstro, que correu para as matas. Isso foi chocante, porém, instigou minha curiosidade no assunto, e com o tempo, fui ouvindo mais e mais relatos da besta da lua cheia. essa noite a lua não estará cheia, porém, existem vários tipos de transformações.” “Como assim várias transformações?” perguntei.
“A licantropia se dá por meio tanto de maldição, ou por ritual, na maldição você não escolhe se tornar a besta, simplesmente, está fadado a carregar essa maldição em se transformar em uma besta lobina nas noites de lua cheia. Quando as luzes de prata tocam o corpo do indivíduo, seu corpo se contorce inteiro até se transformar num demônio de pelos horrendo com sede de sangue. Porém, existe um ritual.” disse José, tirando da gaveta um livro antigo da capa preta muito empoeirado e desgastado.
“Que livro é esse? e qual é esse ritual que você está me falando?” Perguntei. “Esse livro consegui da última batalha minha contra um lobisomem lá no Rio Grande do Norte, no interior, onde encontrei a residência onde o homem que virava a fera morava e eu travei uma luta feia com a coisa. Mas a matei ali mesmo, e peguei o livro de bruxaria do velho maldito. Neste livro contém muitas outras feitiçarias imundas, desde sacrifícios de animais, até a de humanos. E nesta página aqui…” Disse ele abrindo o livro. “Tem o ritual para se tornar um licantropo, que aliás, não se limita apenas a transformação de lobo, mas sim a inúmeros animais, sendo estes, porcos, cavalos, jumentos, e até mesmo bodes.” disse o delegado.
“Meu Deus, eu sempre achei tudo isso muito blá blá blá de gente velha que gostava de inventar história, não creio que isto esteja acontecendo logo aqui na nossa cidade. José, o que você de fato fazia no passado?” perguntei curioso em ver que não era a primeira vez que ele viu o lobisomem. “Eu caço esse tipo de coisa, meu filho. Eu jurei pra mim mesmo que iria sempre ajudar as pessoas contra estes males, e hoje já enfrentei muitos lobisomens, e na maior parte dos casos eu consigo detê-los, na outra parte, os espanto pelo menos. Além disso, não são apenas lobisomens soltos por ai, mas tudo o que julgamos ser lenda, na verdade são relatos reais de coisas sobrenaturais que vagam as noites. A escuridão noturna trás mais segredos e mistérios do que você pode imaginar, Josué.”
Tudo aquilo era demais pra mim, porém me encantei pelo fato do delegado ser tão corajoso a ponto de caçar as criaturas. José aparentava ter seus quarenta e poucos anos, era alto e forte com cabelos grisalhos e olhos verdes. Sua fisionomia era de alguém que treinava na academia constantemente, o que ajudava a manter a boa forma mesmo aos quarenta anos.
“Como pode ver, esse ritual pode ser feito de varias maneiras, sempre tendo um preço de sangue a ser pago. Uma das formas mais comuns de transformação, é a de o indivíduo entrar em um chiqueiro e profanar palavras que se encontram neste livro enquanto rola nas fezes e na lama onde os animais ficam, por ser mais simples essa transformação tem limitações. Agora um grande ritual, no qual uma pessoa sacrifica outra para adquirir os poderes da besta, faz com que o indivíduo se transforme todos os dias, sendo ou não lua cheia, tendo consciência de tudo o que faz. Eu to te falando tudo isso porque pelo o que me disse sobre a noite passada, a criatura te marcou. Lobisomens possuem um olhar maligno, e quando encaram uma pessoa, eles conseguem memorizar toda a fisionomia da pessoa e as características dela, e quando você de alguma forma atira em um lobisomem e não o mata, você se torna a presa principal da criatura que irá buscar vingança. E eu estou aqui para ajudar. Por isso moro sempre no interior dos estados, pois cidades pequenas de interior são o foco principal desses males”. Concluiu José, que me deixou de boca aberta após tantos detalhes assustadores.
“E o que você vai fazer?” perguntei. “Eu? Você quis dizer nós. Vou precisar de sua ajuda. Ele estará recuperado da bala, pois o licantropo tem imunidade a balas apenas em seu corpo. É preciso mais que apenas um tiro no ombro para matar um.” Disse José. “Vou ajudar em que? Vou comprar uma bala de prata talvez?” Respondi sem querer transparecer debochado mas não me segurei, dei um sorrisinho de lado imaginando Ceci respondendo a mesma coisa. "Não, essa história de bala de prata é coisa de cinema. Para matar um lobisomem deve ser causado um grande dano nele. Neste caso, um tiro na cabeça de forma certeira seria o suficiente. Após morrer a criatura volta a forma humana e sua alma irá queimar eternamente no inferno." Disse José enquanto fechava o livro.
Inferno, como eu disse no começo deste relato, eu nunca fui adepto a crenças, mas minhas convicções caíram por terra naquela noite, e me questionei se existe inferno maior que do que este de viver num mundo disposto a lhe devorar a qualquer momento. Seja com criaturas vindas diretamente do lago de fogo do hades, ou com o simples fato de estar vivo. Mas, pelo que vi, o inferno é real, e parece estar com os portões abertos para coisas como está saírem de lá. Se lobisomens são reais e uma cidade inteira estava experimentando o terror de sua existência, quais monstros a mais estão soltos por aí? Nem quero imaginar algo assim, só queria me manter seguro, queria manter Ceci segura. Só tinha uma coisa a se fazer, confiar em José, e tentar ajudar ele, pois minha vida corria perigo.
"E Francisco?" Perguntei. "Bem, se é sobre o relato dele que quer saber, eu não posso falar muitos detalhes, mas tudo começou na fazenda dele, ouvi o filho dele hoje mais cedo também, e ambos os relatos batem, o que me leva a crer na veracidade dos fatos. A descrição bate com a sua também, então temos apenas um lobisomem por aqui." "Graças a Deus né? Eu acho…" respondo de forma irônica pois o fato de ser "apenas" um lobisomem era mais irônico ainda.
"Mas qual é o plano? O que vamos fazer? Em que exatamente irei ajudar você?". Perguntei.
"Vamos até sua casa, seu pai e irmão estão por lá?" Perguntei José. "Sim estão no almoço deles." Respondi. "Ótimo, vamos lá, preciso falar com eles". Disse José se levantando de sua cadeira de couro aparentemente bem confortável e pegando suas chaves do carro no balcão de madeira que ficava de frente a ele.
Não tinha o que fazer, eu não sabia qual era o plano dele, mas de certa forma eu me sentia seguro com José, ainda mais agora de saber de toda a experiência dele como um "caçador sobrenatural" não sei se posso chamar ele assim, mas José me passava a imagem perfeita de um Van Helsing.
Eu estava saindo da delegacia com José, ele entrou dentro de seu carro, um Fusion preto modelo 2009, muito bem conservado, apenas com alguns arranhões nas laterais, mas era algo imperceptível, logo entrei também, colocamos o cinto e partimos. No caminho José me contou coisas extraordinárias que já viveu e como tudo isso o fez tomar gosto em ser um investigador paranormal, e sim, é assim que ele chama a si mesmo, um hobbie um tanto que peculiar, porém, que já vinha sendo praticado a mais de 15 anos. Ele me contou sobre a Mula sem cabeça, que na verdade era uma Égua do inferno, que aterrorizava as madrugadas. Me contou também de outros lobisomens e de uma criatura humanoide na floresta, com aparência de homem e macaco, que amedrontava a região do Norte do Brasil, lá em Manaus na Amazônia. Tudo aquilo me deixa boquiaberto, eram tantos relatos que poderiam facilmente virar uma coletânea de filmes de terror.
Chegamos em minha casa. Eu liguei para meu chefe avisando que chegaria mais tarde um pouco, pois estava com o delegado resolvendo a situação da noite passada, e graças aos Céus o crentelho me entendeu, e comecei a pensar que de fato ele estaria preocupado comigo. Ao sair do carro com José, meu pai colocou a cabeça para fora da janela para ver quem estava em sua porta, e viu que era eu e o delegado, então ele colocou uma camiseta e cobriu-se. Eufórico, meu pai correu lá fora para abrir o portão.
"Opa, e aí meu filho, você demorou aparecer pra comer, fiquei preocupado por causa da noite passada."
"De boa pai, eu tava com o delegado, o José". Respondi. "Boa tarde senhor, fui falar com seu filho a respeito do ocorrido da noite passada. E vim aqui para falar com você e seu outro filho que foi atacado". Disse José ao meu pai.
"Ah sim, entra ai, fica a vontade, o Pedro ainda não chegou, ele tá demorando também, mas se quiser esperar, ele já deve tá chegando." Disse meu pai. "Ótimo, preciso falar com todos vocês". Disse José entrando já pelos portões de minha casa.
Após esperarmos alguns minutos, o som da moto de Pedro já podia ser ouvido de longe, e então me levantei lata abrir o portão pra ele. Assim que ele desceu da moto, percebi com mais nitidez os arranhões da queda que ele levou após tomar um susto com a coisa.
Ele mal tirou o capacete e foi logo falando algo comigo enquanto abria sua bolsa de forma eufórica e nervosa.
"Mano, cara, você não tem noção do que eu encontrei...eu sabia que o Chico não era de confiança, eu sabia…" Disse Pedro.
"Qual é, Pedro? Fica calmo o que tá acontecendo?" Perguntei, enquanto o delegado e meu pai ao verem o nervosismo de Pedro, se aproximaram também.
Então Pedro tira de sua bolsa, algo que parecia ser um livro embrulhado dentro de uns panos velhos. "Olhem o que eu achei dentro de um cômodo abandonado na fazenda do Chico." Pedro finalmente desenrola aquilo e para nossa surpresa, era um livro de capa preta idêntico ao que José mantinha em seu escritório.
Como Pedro foi parar na fazenda do Chico? Como ele conseguiu aquilo? E a dúvida que não se calou naquela hora: Seria Francisco o lobisomem? Seria Léo talvez? O que estava acontecendo…?
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A BESTA
HorrorJosué Fernandes vive uma vida super comum em uma pequena cidade no interior de Goiás, onde começa receber relatos de animais mortos de maneira sinistra levando as pessoas a se questionarem oque pode estar acontecendo. A curiosidade de Josué e seus a...