Desta vez, Beldingsville não recebeu Pollyanna com fanfarras e foguetes, talvez porque apenas muito poucos conhecessem a hora da chegada. Mas não faltaram as saudações de alegria da parte de todos os que a viram no momento em que desceu do comboio, acompanhada da tia Polly e do Dr. Chilton. Pollyanna não perdeu tempo e iniciou uma ronda de visitas aos seus velhos amigos. Com efeito, nos dias que se seguiram, segundo dizia a Nancy, "não podíamos pôr o dedo onde quer que fosse que ela lá não estivesse". E a todos os lados onde ia, via-se confrontada com a pergunta: "Gostou de Boston?". A ninguém respondeu de forma tão cabal como o fez com Mr. Pendleton.- Sim, gostei, em parte.- Então não gostaste de tudo? - perguntou Mr. Pendleton, sorrindo.- Não, de algumas coisas não gostei, embora gostasse de lá estar explicou apressadamente. - Foram tempos bem divertidos e havia muitas coisas que eram bastante diferentes e estranhas, como por exemplo jantar à noite em vez de o fazermos ao meio-dia. Toda a gente foi muito boa para mim e vi uma quantidade de coisas lindas, como Bankerhill e o Jardim Público, os autocarros e uma quantidade de quadros e estátuas, armazéns e avenidas que pareciam não ter fim. E muita gente. Nunca vi tanta gente!- Pensei que gostasses das pessoas - comentou o senhor.- E gosto. Mas para que serve haver tanta gente se não os podemos conhecer? Além disso, Mrs. Carew não me deixava travar conhecimento com estranhos. Fez-se um ligeiro silêncio. Depois, com um suspiro, Pollyanna resumiu.- Penso que foi disso que gostei menos. Era muito mais agradável se as pessoas se conhecessem! Veja só, Mr. Pendleton: existe uma quantidade de gente que vive em ruas estreitas e sujas, que não têm feijão nem pastéis de peixe para comer, nem sequer as coisas que vêm nas colectas de caridade. Em contrapartida, existem muitas outras pessoas, como Mrs. Carew, que vivem em casas maravilhosas, a abarrotar de coisas óptimas para comer e para vestir e, até, sem saberem o que hão-de fazer ao dinheiro. Se essas pessoas conhecessem as outras. Mr. Pendleton interrompeu-a com uma gargalhada.- Minha querida criança, não vês que essas pessoas não têm interesse em conhecer-se umas às outras!- Felizmente que não são todas assim - sustentou Pollyanna. - Por exemplo, a Sadie Dean, que vende bandoletes num grande armazém, quer conhecer pessoas e eu apresentei-a a Mrs. Carew. A Sadie, o Jamie e muitas outras pessoas, visitaram-nos e Mrs. Carew ficou contente por conhecê-los. Foi isso que muito me fez pensar que se as pessoas como Mrs. Carew pudessem conhecer as outras... Mas, é claro, não podia ser eu a apresentá-las todas. Eu própria não conheço muitas. E assim, se se pudessem conhecer uns aos outros, de maneira a que os ricos pudessem dar aos pobres parte do seu dinheiro. Mr. Pendleton interrompeu-a de novo, com uma gargalhada.- Oh Pollyanna, Pollyanna, disse - trocistaReceio que estejas a penetrar em águas demasiado profundas! Sem te dares conta disso, estás a tornar-te uma socialistazinha.- Uma quê? - perguntou a menina confusa. Não sei o que isso é, mas sei o que é ser sociável e gosto das pessoas que o são. Se é a mesma coisa, então não me importo, até gostava de o ser.- Tenho dúvidas, Pollyanna - disse o senhor, sorrindo. - O que sei é que, ao chegares a esse teu plano da distribuição geral da riqueza, enfrentas um problema que terás dificuldade em resolver. Pollyanna deu um grande suspiro.- Eu sei - concordou ela. - É isso que Mrs. Carew diz. Acha que isso a tornaria pobre, resultando num efeito pernicioso. ou qualquer coisa assimdisse a rapariga secamente, quando o homem começou a rir. Mas, de qualquer modo, não compreendo por que razão algumas pessoas hão-de ter tanto e outras não hão-de ter nada. Não gosto disso. Se alguma vez tiver muito hei-de dar... Mr. Pendleton desatou a rir, interrompendo Pollyanna, que também começou a rir, rematando assim:- De qualquer maneira, continuo a não compreender.- Pois não, querida, receio que não! É uma questão que nós também não compreendemos. Mas diz- me lá - acrescentou - quem é esse Jamie, de quem falas tanto? E Pollyanna contou-lhe. Ao falar de Jamie, Pollyanna esqueceu-se do resto. Adorava falar do Jamie, porque disso compreendia bem. E, nesse caso concreto, Mr. Pendleton estaria interessado no facto de Mrs. Carew ter levado o rapaz para sua casa, pois ninguém melhor do que ele compreenderia a importância do gesto. Aliás, sobre esse assunto, Pollyanna falava a toda a gente. Partia do princípio que todos estariam tão interessados como ela própria. Todavia, a maior parte dos casos, ficou desapontada pelo pouco interesse demonstrado. E um dia teve uma surpresa maior, vinda do próprio Jimmy Pendleton.- Ouve lá - perguntou ele um tanto irritado -, não havia mais ninguém em Boston, além desse Jamie?- Porquê Jimmy Bean? Que queres tu dizer?inquiriu Pollyanna. O rapaz levantou um pouco o queixo.- Não me chamo Jimmy Bean, chamo-me Jimmy Pendleton. É que, da tua conversa, fico a pensar que não havia mais ninguém em Boston senão esse maluco que chama Lady Lancelot a pombos e esquilos, e todas essas tretas.- Porquê, Jimmy Be... Pendleton! - gaguejou Pollyanna, para continuar em tom acalorado: - Jamie não é maluco! É um rapaz simpático e sabe muito. Lê muitos livros! Consegue até inventar histórias da sua própria cabeça! Além disso, não é "Lady Lancelot" é "Sir Lancelot". Se soubesses metade do que ele sabe, também saberias isso! - concluiu ela, de olhar flamejante. Jimmy Pendleton ficou atrapalhado e com um ar infeliz. Mas os ciúmes fizeram-no contratacar.- O certo é que não dou - disse a troçar - grande coisa pelo nome dele. Jamie! Soa a maricas! E sei de mais pessoas que também acham.- Quem? Não houve resposta.- Quem foi? - perguntou Pollyanna com veemência.- O meu pai.- O teu pai? - repetiu Pollyanna, espantada. Porquê? Se ele não conhecia o Jamie?- Pois não. Não era esse Jamie. Era eu. O rapaz continuou a falar em tom teimoso, de olhar desviado. No entanto, havia uma doçura curiosa na sua voz, que se notava sempre que falava no pai.- De ti?!- Sim. Foi um pouco antes de ele morrer. Parámos quase uma semana numa quinta. O pai ajudava no feno e eu fazia o que podia. A mulher do camponês era muito boa para mim e não tardou a chamar-me de Jamie. Porquê, não sei. Um dia o pai ouviu-a e ficou zangado. Tão zangado, que nunca mais esqueci que ele disse que Jamie não era nome de rapaz e que nenhum filho seu seria assim chamado. Achava que era um nome maricas. Puxa, nunca o vi tão zangado como nessa noite. Calcula, nem ficou para acabar o trabalho e partiu comigo nessa mesma noite. Fiquei com pena, porque gostava da mulher do camponês. Pollyanna fez que sim com a cabeça, mostrando interesse e simpatia. Raramente o Jimmy falava do seu passado misterioso.- E o que aconteceu depois? Pollyanna esquecera completamente a questão que estivera na base da discussão, ou seja, o facto de o nome de Jamie ser considerado efeminado, o que fez suspirar o rapaz.- Continuámos a andar, até encontrarmos outro lugar, lugar onde o pai acabou por morrer. Depois, puseram-me no asilo.- De onde fugiste, encontrando-te eu naquele dia, junto da casa de Mrs. Snow. É desde aí que te conheço.- Oh, sim! É desde aí. - Repetiu Jimmy, num tom de voz bastante diferente, regressando ao presente e ao motivo da discórdia. - Mas eu não sou Jamie - con cluiu ele com desdém e deixando Pollyanna confusa.- Ainda bem que não te comportas sempre desta maneira! - disse a rapariga, suspirando e observando tristemente a figurinha do rapaz na sua atitude arrogante e surpreendente.
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Pollyanna Moça
Non-FictionPollyanna cresceu. É agora uma encantadora adolescente, amada por todos os que com ela aprenderam o famoso 'Jogo do Contente'. Sua fama de pessoa especial vai além dos limites de Beldingsville, a cidadezinha onde vive com a Tia Polly. Pollyanna rece...