11. A tia Polly fica alarmada

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Pollyanna estava em casa há uma semana, quando chegou uma carta de Della Wetherby, dirigida a Mrs. Chilton: "Só gostava de conseguir explicar-lhes o que a vossa sobrinhinha fez pela minha irmã, mas receio não o conseguir. Era preciso que a conhecessem antes. A senhora viu-a e talvez se tenha apercebido um pouco da tristeza e escuridão em que ela se envolvia desde há anos. E não faz ideia da amargura que lhe inundava o coração, da falta de interesses e de objectivos, e da insistência no luto permanente. "Então chegou Pollyanna. Talvez não lhe tenha contado, mas a minha irmã, logo a seguir à promessa de tomar conta de Pollyanna, arrependeu-se e estava firmemente decidida a devolver-ma, assim que Pollyanna lhe começasse com prédicas. Só que Pollyanna nunca lhe fez prédicas, pelo menos minha irmã diz que não, e ela estava bem atenta a isso. No entanto, deixe-me só dizer o que encontrei, quando ontem a fui visitar. Talvez nada lhe possa dar uma ideia melhor do que a vossa maravilhosa Pollyanna realizou. "Para começar, quando me aproximei da casa vi que todos os estores estavam levantados, quando antes estavam semprefechados. Ao entrar no hall ouvi música - era o Parsifal. As salas estavam abertas e o ar cheirava a rosas. "Mrs. Carew e Mr. Jamie estão ambos no salão de música, - disse-me a criada. De facto, lá os encontrei, minha irmã e o rapazinho que ela decidiu levar para casa, escutando ambos um desses aparelhos modernos que podem conter uma companhia inteira de ópera, incluindo a orquestra. "O rapaz estava sentado numa cadeira de rodas, de ar pálido mas beatificamente feliz. Minha irmã parecia dez anos mais nova. O seu rosto, habitualmente descorado, apresentava-se com boas cores e os olhos brilhavam. Um pouco depois, após eu ter falado alguns minutos com o rapaz, minha irmã e eu subimos ao andar de cima, aos seus aposentos, e aí falou-me de Jamie. Não do antigo Jamie, de quem costumava falar com olhos húmidos e suspiros de desespero, mas do novo Jamie, agora sem sinal de lágrimas, e, em vez disso, com entusiástico interesse. " Della, ele é maravilhoso, - começou por dizer. - Tudo o que há de melhor em música, arte e literatura, parece agradar- lhe de forma maravilhosa. Só que, evidentemente, necessita de evoluir e de se educar. É disso que me vou ocupar. Amanhã chega um tutor. É claro que a linguagem dele é um bocado feia, mas leu tantos livros bons, que o vocabulário dele é surpreendente e havias de ouvir as histórias que sabe contar! É claro, em educação geral ele é bastante deficiente, mas está ansioso por aprender e, assim, isso seráfacilmente remediado. Adora música e vou proporcionar-lhe toda a aprendizagem que precisa. Já arranjei um lote de discos cuidadosamente seleccionados. Gostava que visses a cara dele quando ouviu pela primeira vez a música do Santo Graal. Conhece tudo sobre o Rei Artur e a Távola Redonda e fala de cavaleiros, lordes e damas, como tu e eu falamos dos membros da nossa família, só que, às vezes, quando fala de Sir Lancelot, se refere ou ao antigo cavaleiro ou a um esquilo do Jardim Público. E Della, creio, épossivel que ele torne a andar. Vou pedir ao Dr. Ames que o veja e... ì "E assim continuou, enquanto eu ficava sentada de boca aberta e lingua amarrada, masfelicissima! Conto-lhe tudo isto, cara Mrs. Chilton, para que possa saber como ela está interessada e com que dedicação vai acompanhar o crescimento e desenvolvimento desse rapaz, e como, apesar do seu estado anterior, tudo isto veio alterar a sua atitude em relação à vida. Tenho a certeza de que nunca mais será a mulher amargurada e rabujenta que foi. E tudo isto se deve a Pollyanna. "Querida Pollyanna! Estou em crer que a menina está perfeitamente inconsciente de tudo isto. Até creio que nem minha irmã ainda compreendeu o que está a suceder no seu coração e na sua vida. "E agora, cara Mrs. Chilton, como posso agradecer-lhe? Eu sei que não posso, por isso nem sequer vou tentar. No entanto, no seu intimo, deve calcular como estou grata, tanto a si como a Pollyanna. Della Wetherby. " Parece que se operou mesmo uma cura! - disse o Dr. Chilton, sorrindo, quando a mulher concluiu a leitura da carta. Para sua surpresa, porém, ela levantou rapidamente a mão em tom reprovador e disse:- Por favor Thomas!- Porquê Polly? Qual é o problema? Não estás contente por o remédio funcionar? Mrs. Chilton encostou-se na cadeira, desanimada.- Lá estás tu outra vez, Thomas. Claro que estou contente que essa senhora infeliz tivesse mudado e seja agora útil a alguém. E contente também por Pollyanna o ter feito. Mas não gosto que falem dessa criança, permanentemente, como se fosse um frasco de remédio ou uma "cura". Só isso, percebes?- Que disparate! Onde está o mal? Sempre tenho chamado Pollyanna de tónico! - Mal! Thomas Chilton: essa criança está a crescer, queres estragá lá ? Até aqui ela tem estado inconsciente do seu poder extraordinário, e é nisso que reside o segredo do seu sucesso. Mas quando se puser conscientemente a querer modificar alguém, ah! então sabes tão bem como eu que se tornará impossível. Deus permita que ela nunca perceba que é uma espécie de cura!- Disparate! Ia agora preocupar-me com isso!- Vês, eu preocupo-me, Thomas.- Polly, pensa só no que ela tem feito! - argumentou o médico. Pensa em Mrs. Snow, em John Pendleton e nas outras pessoas. Todos se modificaram, tal como Mrs. Carew e por graça de Pollyanna!- Eu sei! - concordou Mrs. Polly Chilton com ênfase. - Mas não quero que Pollyanna o saiba! Evidentemente que ela o sabe de certo modo, pois ensinou-os a jogar o "Jogo do Contentamento" e isso fê-los mais felizes. Assim, está bem. É o jogo, o jogo dela, jogam- no em conjunto. Nem quero admitir que Pollyanna nos impinja um tal sermão quando souber... o problema é esse! Não quero que ela o saiba. É tudo! E agora deixa-me que te diga que decidi ir à Alemanha contigo, neste Outono. Ao princípio pensei em não ir. Não queria deixar Pollyanna e não vou deixá-la agora. Irá connosco!- Levá-la connosco? Óptimo! Porque não?- Tenho de a levar. Afastá-la-íamos de Beldingsville por uns tempos. Quero mantê-la meiga, sem que se estrague, se puder.

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