7- Os planos de Pollyanna

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No caminho para casa, Pollyanna foi idealizando alegres planos. No dia seguinte, de uma maneira ou de outra, teria de convencer Mrs. Carew a acompanhá-la num passeio ao Jardim Público. Não sabia bem como havia de arranjar as coisas, mas teria de o conseguir. Estava fora de questão dizer directamente a Mrs. Carew que tinha encontrado Jamie e que desejava que ela fosse vê-lo. Havia a possibilidade de este não ser o Jamie dela. E se não fosse, teria suscitado falsas esperanças a Mrs. Carew, podendo o resultado ser desastroso. Através de Mary, Pollyanna soubera que já por duas vezes Mrs. Carew ficara muito doente em consequência de grandes desilusões ao seguir pistas que a conduziram a rapazinhos que não eram o filho da falecida irmã. Assim, Pollyanna sabia que não podia dizer a Mrs. Carew a razão por que queria que a acompanhasse num passeio ao Jardim Público, no dia seguinte. E foi a pensar nisso que Pollyanna regressou a casa. Porém, o destino, mais uma vez, interveio sob a forma de uma forte carga de água, e bastou a Pollyanna olhar para a rua, na manhã seguinte, para saber como a intenção lhe saíra furada. E o pior foi que nem nos dois dias seguintes as nuvens desapareceram. Pollyanna passou três tardes inteiras a caminhar de uma janela para outra, olhando o céu e perguntando ansiosamente a toda a gente: "Não acham que vai levantar?" Tal comportamento era tão estranho na alegre menina e as perguntas constantes eram tão irritantes, que Mrs. Carew acabou por perder a paciência.- Por amor de Deus, menina, qual é o seu problema? - exclamou ela. Como me surpreende que se preocupe tanto com o tempo! Afinal, onde está hoje esse seu belo jogo? Pollyanna corou e ficou cabisbaixa.- É verdade, parece que desta vez me esqueci do jogo - admitiu ela. E, claro, se procurar encontrarei algo que me dê contentamento. Posso ficar contente porque, uma vez, Deus disse que não mandaria outro dilúvio. E tudo isto porque eu queria tanto que hoje fizesse bom tempo!- E porqué hoje especialmente? - Queria ir passear para o Jardim Público. Pollyanna procurou falar despreocupadamente. Quis assim, exteriormente, manifestar uma indiferença afectada. Embora, interiormente, tremesse de excitação e expectativa.- Talvez Mrs. Carew gostasse de ir comigo? -arriscou-se.- Eu? Ir passear ao Jardim Público? - perguntou Mrs Carew de sobrolho ligeiramente levantado. Não, obrigada, receio que não - respondeu sorrindo. - Pensei que não recusasse! - hesitou Pollyanna, quase em pânico.- Pois recuso! Pollyanna procurava controlar-se, aflita. Estava muito pálida.- Mas, por favor, Mrs. Carew... por favor não diga que não vai! - pediu ela. - Queria que viesse comigo por uma razão especial. Desta vez, só desta vez! Mrs. Carew franziu a testa. Ia a abrir a boca para dizer um "não" bem determinado, mas algo nos olhos suplicantes de Pollyanna lhe alterou tal propósito porque, ao responder, pronunciou um "sim", ainda que vago.- Está bem, menina, farei como pede, mas, ao prometer-lhe ir, terá também de prometer que não se aproxima da janela durante uma hora e não volta mais a perguntar com tanta insistência se o tempo vai levantar, está bem?- Está! - exclamou, excitada, Pollyanna. Logo a seguir, quando uma réstea de luz pálida que era quase um raio de sol atravessou a janela, ela gritou de alegria:- Acha que vai. - levou a mão à boca, lembrando-se da promessa, e fugiu da sala a correr. O tempo melhorou só na manhã seguinte. Porém, não obstante o sol brilhar, estava fresco; e à tarde, quando Pollyanna regressou da escola, sentia-se mesmo um vento frio. E, ao contrário de todos, insistia que estava um lindo dia e que ficaria infelicíssima se Mrs. Carew não fosse passear com ela ao jardim. É claro que Mrs. Carew acabou por ir, mesmo contrariada. Como seria de esperar, foi uma saída infrutífera. A senhora impaciente e a menina ansiosa, caminharam apressadamente cheias de frio, pelos arruamentos do jardim. Pollyanna, não encontrando o rapaz onde era habitual, procurava nervosamente por todos os cantos do jardim. Não se conformava. Ali andava acompanhada de Mrs. Carew, e não via Jamie. E como era irritante não poder dizer nada à senhora! Finalnente, cheia de frio e fula, Mrs. Carew insistíu em irem para casa. Pollyanna, desesperada, não teve outro remédio senão fazer-lhe a vontade. Os dias que seguiram foram de tristeza para Pollyanna. Para ela, parecia um segundo dilúvio; só que do ponto de vista de Mrs. Carew não passava das chuvas habituais de Outono. Depois, veio nevoeiro, humidade , nuvens e mais frio. Se, por acaso, surgia um dia de sol, Pollyanna corria imediatamente até ao jardim. Mas em vão, Jamie não estava lá. Já estavam em meados de Novembro e o próprio jardim apresentava-se cada vez mais triste. As árvores estavam nuas, os bancos mais vazios e não se via um barco no lago. É verdade que os esquilos e os pombos continuavam por lá, mas dar-lhes de comer constituía mais uma tristeza do que uma alegria, porque cada sacudidela da cauda de Sir Lancelot lhe trazia memórias amargas do rapaz que o baptizara e estava ausente. "E eu que não lhe perguntei onde vivia! ", lamentava-se Pollyanna, à medida que os dias passavam. "Chama-se Jamie. Só sei que se chama Jamie. Será que tenho agora de esperar até à Primavera e que faça calor suficiente para ele voltar? E se nessa altura já não posso vir cá?" Mas, numa tarde sombria, aconteceu o inesperado. Ao passar pelo hall superior ouviu vozes zangadas no andar de baixo, e reconheceu numa delas a de Mary e uma outra que dizia:- Nem pensar! Não sou um pedinte, está a perceber? Quero falar à menina Pollyanna, porque tenho um recado para ela, de Sir James. Vá, vá chamá-la, se não se importa. Com uma exclamação de alegria, Pollyanna desceu as escadas a correr.- Estou aqui, estou aqui! O que é? Foi o Jamie que o mandou? Assim agitada, quase se ia a atirar de braços abertos para o rapaz, quando Mary, escandalizada, a interceptou com mão firme.- Miss Pollyanna, conhece este pedinte? O rapaz barafustou, zangado; mas antes de ele poder falar mais, Pollyanna interpôs-se e disse:- Ele não é pedinte. É um dos meus melhores amigos. - Depois virouse para o rapaz e perguntou ansiosa - O que é? Foi o Jamie que o mandou? - Foi. Há um mês que está de cama sem se levantar. Está doente e quer vê-la. Pode vir?- Doente? Que pena! - lamentou Pollyanna. Claro que vou. Vou buscar já o meu chapéu e o meu casaco.- Miss Pollyanna! - protestou Mary, reprovadora. - Como se Mrs. Carew a deixasse ir a algum sítio com um rapaz assim tão estranho!- Mas ele não é um estranho! - objectou Pollyanna. Já o conheço há muito tempo e tenho de ir. Eu...- Afinal, que vem a ser tudo isto? - perguntou Mrs. Carew, severa, vinda da sala. - Quem é este rapaz, Pollyanna. O que faz ele aqui? Pollyanna virou-se com vivacidade.- Mrs. Carew deixa-me ir, não deixa?- Ir aonde?- Ver o meu irmão, minha senhora - interrompeu o rapaz apressadamente e esforçando-se por ser bem educado. - Ele está inquieto e não descansou enquanto eu não vim pedir a Pollyanna que o fosse visitar. Ele até tem visões com ela.- Posso ir, não posso? - suplicou Pollyanna. Mrs. Carew franziu o sobrolho.- Ir com este rapaz, menina? Evidentemente que não! Admira-me como pode ser tão rebelde ao pensar nisso por um instante!- Mas eu quero ir - insistiu Pollyanna.- Que criança absurda! Nem pense nisso. Pode dar algum dinheiro a este rapaz se quiser, mas.- Obrigado senhora, mas eu não vim aqui à procura de dinheiro respondeu o rapaz ofendido. - Vim à procura dela.- Sim, Mrs. Carew, este é o Jerry, Jerry Murphy, o rapaz que vende jornais cá na rua - apoiou Pollyanna.- Deixa-me agora ir com ele? Mrs. Carew abanou a cabeça, objectando:- Isso está fora de questão, Pollyanna.- Mas Jam. o outro rapaz, está doente e quer-me ver!- Não posso consentir.- Conheço-o muito bem, Mrs. Carew. A sério que conheço. Ele lê livros muito bonitos, cheios de cavaleiros, lordes e damas e dá de comer aos pássaros e aos esquilos, dá-lhes nomes e tudo isso. Ele não pode andar, e, além disso, muitas vezes não tem comida suficiente. E também joga, desde há um ano, o meu jogo e eu não sabia. Consegue até jogá-lo muito melhor do que eu. Há vários dias que ando à procura dele. A sério, Mrs. Carew, com honestidade, tenho de o ver dizia Pollyanna, quase soluçando. - Não o posso perder outra vez! O rosto de Pollyanna estava vermelho de aflição.- Pollyanna, tudo isso é um completo disparate. Estou surpreendida por a menina insistir em fazer uma coisa que eu reprovo. Não posso permitir que vá com este rapaz. Não quero saber de mais nada. No rosto de Pollyanna surgiu uma expressão nova. De olhar meio assustado, meio exaltado, levantou o queixo e enfrentou Mrs. Carew. Trémula e determinada, disse então:- Nesse caso, terei de lhe dizer. Não tencionava fazê-lo antes de ter a certeza. Queria que o visse primeiro, mas agora tenho de lhe dizer. Não o posso perder outra vez. Mrs. Carew, penso que é o Jamie, o seu Jamie. - Jamie? Não! O meu Jamie? - O rosto de Mrs. Carew tornou-se subitamente pálido.- Sim.- É impossível!- Até pode ser. Mas por favor, ele chama-se Jamie e não sabe o apelido. O pai morreu quando ele tinha seis anos e não se lembra da mãe. Agora julga ter doze anos. Estas pessoas tomaram conta dele quando o pai lhe morreu. O pai era esquisito e jamais disse a alguém o nome, e. Mrs. Carew interrompeu-a com um gesto. Com efeito, a senhora estava cada vez mais pálida, e os seus olhos irradiavam um brilho indescritível.- Vamos imediatamente - disse ela. - Mary, diga ao Perkins para preparar já o carro. Pollyanna, vá buscar o seu chapéu e o casaco. Rapaz, por favor espera aqui. Iremos contigo imediatamente. - E foi-se, escada acima, a correr. No hall, finalmente, o rapaz pôde respirar fundo, desabafando:- Chi! Agora até vamos de carro! Mas que nível! Que dirá Sir James?

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