17. O jogo e Pollyanna

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Antes de meados de Setembro, os Carew e Sadie Dean despediram-se e regressaram a Boston. Apesar de saber que iria sentir a falta deles, Pollyanna suspirou de alívio quando o comboio que os transportava se afastou da estação de Beldingsville. Era um sentimento de alívio que Pollyanna não confessaria a ninguém, e até a si própria pedia desculpas por isso. "Não é que eu não goste muito deles, de todos eles", pensou ela, ao ver o comboio a desaparecer na curva, "só que estou cansada de ter pena do pobre Jamie, e, assim, ficarei contente por voltar aos dias tranquilos com o Jimmy". Pollyanna, porém, não regressou aos velhos dias tranquilos com o Jimmy. É certo que os dias que se seguiram foram calmos, mas sem a presença de Jimmy. O jovem só raramente se aproximava da casa e quando a visitava não era o mesmo de antes. Melancólico, inquieto e silencioso ou então excessivamente alegre e falador, em geral manifestava um nervosismo quase incomodativo. Também ele, pouco tempo depois, partiu para Boston. Pollyanna ficou surpreendida ao ver como sentia a falta do amigo. Até o facto de saber que ele estava na cidade e que existia a possibilidade de a vir visitar era melhor do que o vazio da sua ausência total. Mesmo apesar da sua instabilidade de espírito. Até que um dia disse a si própria: "Então, Pollyanna Whitier até pareces apaixonada por Jimmy Bean! Será que não consegues pensar senão nele?" Depois disto, esforçou-se por cultivar a alegria e por afastar Jimmy Pendleton dos seus pensamentos. E a tia Polly, embora involuntariamente, também a ajudou. Com a partida dos Carew, cessou também a principal fonte de rendimentos e a tia Polly começou de novo a preocupar-se e lamentar-se sobre o seu estado financeiro, repetindo:- Realmente, não sei, Pollyanna, o que vai ser de nós. É certo que ainda temos uma pequena reserva graças aos hóspedes de Verão, e mais a pequena quantia da propriedade, mas não sei quanto tempo isto vai durar. Se ao menos pudéssemos fazer alguma coisa capaz de render algum dinheiro! Foi depois de um destes lamentos que Pollyanna leu numa revista sobre um concurso de novelas, com prémios avultados e numerosos, e condições muito atraentes. Dava a ideia de muito fácil e incluia, até, um apelo, que parecia dirigido especialmente a Pollyanna: Isto é para si que nos está a ler. Não importa que nunca tenha escrito uma novela. Isso não quer dizer que não possa ou não saiba escrevê-la. Basta experimentar. Não gostava de ganhar três mil dólares? Dois mil? Mil? Quinhentos ou mesmo cem? Porque não? Vá, experimente Logo Pollyanna pensou: "Ainda bem que vi isto! Diz mesmo que heide conseguir! Vou contar à tia, até para que não se preocupe mais... " Mas já quase ao chegar à porta, reflectiu melhor, parou e cismou: "Bom, pensando melhor, é preferível não lhe dizer. Será melhor fazer-lhe a surpresa. Ai, se eu conseguisse o primeiro prémio! " e foi deitar-se, a conjecturar no que faria com os três mil dólares. No dia seguinte, Pollyanna começou a escrever a sua novela. Com efeito, com ares muito importantes, pegou numa quantidade de folhas de papel, afiou meia dúzia de lápis e sentou-se na grande secretária antiga dos Harrington, existente na sala de estar. Depois de morder nervosamente em dois lápis, pondo um deles de parte, estragado, desesperada interrogava-se: "Como é que eles arranjarão os títulos? O melhor seria talvez pensar primeiro na história! " Porém, não conseguia arrumar ideias e, ao fim de meia hora, uma folha inteira estava cheia de rasuras, com apenas algumas palavras aqui e ali. Até que a tia Polly entrou na sala, mirou a sobrinha e perguntou:- Então, Pollyanna, que estás a fazer? Pollyanna riu e corou embaraçada.- Nada de especial, tia - admitiu ela, com um sorriso divertido. - Mas, quero dizer-lhe, é um segredo, que todavia, ainda não lhe vou contar. - Como queiras! Devo é dizer-te que se estás a tentar pôr em ordem os papéis que Mr. Hart deixou, é escusado! Já o tentei por duas vezes!- Não, não é isso, é muito melhor - garantiu Pollyanna triunfante, retomando o trabalho. Aos seus olhos surgira a visão deslumbrante do que faria se recebesse os três mil dólares. Escreveu e rasurou durante mais de meia hora. Depois, mordeu os lápis de desespero e, um pouco desanimada, reuniu as folhas e deixou a sala. "Talvez consiga trabalhar melhor lá em cima. E eu a pensar que seria melhor à secretária! De verdade, esta manhã, acho que não me está a ajudar muito. Vou experimentar na cadeira, junto à janela do meu quarto " Porém, o cadeirão e a janela do aposento não lhe deram mais inspiração, a julgar pela quantidade de folhas escritas e reescritas que tinha nas mãos. Ao fim de mais meia hora, Pollyanna viu de repente que eram horas de jantar. "Ai, ainda bem", disse a suspirar, "prefiro ir jantar a continuar com isto. Não que não queira continuar, mas, realmente, não fazia ideia do trabalho que dava " Em todo o mês seguinte, Pollyanna trabalhou afincadamente, mas compreendendo que não era nada fácil escrever uma novela. No entanto, não era pessoa de desistir, e sempre havia o incentivo do prémio de três mil dólares ou até um dos outros, se não conseguisse ganhar o primeiro! Mesmo cem dólares já era alguma coisa! E os dias sucederam-se, com ela a escrever, a riscar e a reescrever, até que finalmente a novela ficou pronta. Depois, foi só levar o manuscrito a Milly Snow para ser dactilografado. "Lê-se bem, faz sentido! ", pensava Pollyanna para consigo própria enquanto se dirigia a casa dos Snow. "E é uma história bastante bonita, sobre uma menina adorável. Mas receio que haja qualquer coisa que não esteja muito bem. Se calhar não devo contar muito com o primeiro prémio. Também não ficarei desapontada se ganhar um dos mais pequenos. " Pollyanna não deixava de pensar em Jimmy sempre que ia a casa dos Snow, pois fora na estrada e junto dessa casa que ela o encontrara pela primeira vez, após ter fugido do orfanato. Também agora voltou a pensar nele. Até que, orgulhosamente, subiu apressada os degraus da escada dos Snow e tocou a campainha. Como habitualmente, os Snow mais não tinham para oferecer a Pollyanna senão o calor das boas-vindas. E, como de costume, em breve estavam a conversar sobre o jogo. Em mais nenhuma casa de Beldingsville o jogo se fazia com tanta satisfação.- Então, como têm passado? - perguntou Pollyanna depois de ter tratado da questão da dactilografia.- Optimamente! - respondeu Milly Snow, satisfeita. - Com este é o terceiro trabalho que recebo esta semana. Oh, Miss Pollyanna, nem calcula como estou contente por me ter encorajado a fazer o curso de dactilografia! Ao menos, posso trabalhar em casa! De algum modo, é a si que devo a minha decisão!- Ora veja que ajuda! - disse Pollyanna modestamente. - Mas é verdade. Nem nunca teria feito o curso se o jogo não tivesse posto a minha mãe muito melhor, permitindo-me dispor de algum tempo. Mas não esqueço, a ideia foi sua. E por isso lhe estou grata! Mais uma vez Pollyanna objectou. Desta vez foi interrompida por Mrs. Snow, que falou da sua cadeira de rodas de junto da janela. Mrs. Snow falava com tal seriedade que Pollyanna não pôde deixar de ouvir o que ela dizia.- Oiça menina, acho que não se dá bem conta daquilo que realizou, mas gostava que compreendesse! Hoje vejo nos seus olhos uma expressão de que não gosto. Está atormentada e preocupada com alguma coisa. Eu sei. Posso vê-lo e não me admira. A morte do seu tio, as condições da sua tia, tudo isso, não é pouco! Mas há uma coisa que lhe quero dizer, pois não suporto ver essa sombra nos seus olhos sem a tentar afastar, lembrando-lhe aquilo que fez por mim e por toda a cidade, por todas as pessoas e em todo o lado.- Mrs. Snow então! - protestou Pollyanna, embaraçada.- Não é senão a verdade! Não acha que eu era uma criatura rabugenta, sempre a lamuriar, que nunca gostava do que tinha e até descobria o que não tinha? E não me abriu os olhos trazendo-me três coisas, de modo a que eu finalmente tivesse aquilo que queria?- Mrs. Snow, eu era assim tão impertinente?murmurou Pollyanna.- Não, não era - objectou Mrs. Snow. - Era isso que a tornava diferente. Você não me fazia prédicas. Se o tivesse feito, também não me teria levado a jogar o jogo. Nem a mim, nem a ninguém! Mas conseguiu levar-me a jogá-lo, e veja o que me aconteceu e à Milly! Aqui estou muito melhor, sentada numa cadeira de rodas, podendo deslocar-me. Foi muito bom, acredite, porque me proporciona muito maior liberdade, e também aos outros, como é o caso de Milly. Foram os próprios médicos que disseram que devo tudo ao "Jogo do Contentamento". Depois, há as outras pessoas, um bom número nesta cidade, como estou sempre a ouvir. Agora, pensei que poderia ajudá-la sempre que quisesse, pois não julgue que não compreendo como, por vezes, lhe deve ser difícil jogar o seu próprio jogo. Pollyanna levantou-se. Sorria mas tinha os olhos marejados de lágrimas enquanto estendia a mão para se despedir.- Obrigada, Mrs. Snow - disse pouco firme. Sim, às vezes é difícil e talvez eu precise de alguma ajuda, quem sabe! - e os olhos brilharam-lhe com a antiga alegria. - Prometo, se alguma vez eu própria não conseguir jogar, jamais esquecerei e ficarei feliz por haver quem o jogue!

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