16. A decisão de Jimmy

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Antes dos Carew chegarem, Pollyanna dissera a Jimmy que estava a contar com ele para a ajudar a entretê-los. Jimmy não se tinha manifestado excessivamente desejoso disso, mas ainda os visitantes não estavam no solar há quinze dias, já ele se mostrava não só interessado mas ansioso por poder ser útil, a julgar pela frequência e duração das suas visitas e pela insistência em pôr à disposição dos hóspedes os cavalos e os automóveis dos Pendleton. Entre ele e Mrs. Carew estabeleceu-se uma amizade encantadora baseada no que parecia ser uma forte atração mútua. Passeavam e conversavam juntos e faziam até planos para o lar das raparigas trabalhadoras, a inaugurar no Inverno seguinte, quando Jimmy estivesse em Boston. Jimmy não estava só nas suas propostas de diversão. Cada vez mais frequentemente, John Pendleton aparecia com ele. Planeavam passeios a cavalo e de automóvel bem como piqueniques, passando tardes encantadoras lendo livros e fazendo tricô na varanda dos Harrington. Pollyanna estava encantada. Não só os hóspedes eram entretidos, desviando-os de possibilidade de sentirem saudades de casa, como por sua vez se tornaram amigos de outros bons amigos, os Pendleton. Assim, tal-qualmente uma galinha com os seus pintos, ela encorajava as reuniões na varanda e fazia tudo o que podia para manter o grupo unido e contente. E o Verão foi decorrendo alegre e descontraidamente. Porém, Pollyanna adivinhava em Jamie alguma amargura subjacente, que antes não vira. Bem percebia que, de vez em quando, ele parecia quase querer evitar os outros e suspirava, como se ficasse aliviado, quando se encontrava a sós com ela. E a razão desse comportamento mais se lhe arreigou no espírito quando uma vez ao observarem os outros a jogar tênis, ele lhe disse:- Sabe, não há ninguém que me compreenda tão bem como a Pollyanna.- Que o compreenda?- Sim, porque a Pollyanna em tempos também não pôde andar.- Ah, sim, é verdade! - disse Pollyanna, hesitante, percebendo que a sua amargura devia ter transparecido uma vez que ele mudou rapidamente de assunto:- Então, Pollyanna, porque não me convida a jogar ojogo? No seu lugar, era isso que eu diria. Não, por favor, esqueça! Fui um bruto ao falar-lhe nisso. Esqueça! Pollyanna sorriu e rematou: - Não, não! - mas nunca mais se esqueceu, e ficou até mais ansiosa por estar com Jamie e por o ajudar em tudo que pudesse.- Jamais poderei deixar que ele perceba que eu não fico contente quando está comigo! Pollyanna, porém, não era a única no grupo que sentia tal constrangimento. Jimmy Pendleton também o sentia embora procurasse escondê-lo. Jimmy, naquela altura, não se sentia feliz. Com uma juventude despreocupada e perspectivas que deixavam antever o melhor, ele tornou-se ansioso e também receoso que o rival lhe levasse a rapariga que amava. Jimmy já não duvidava que estava apaixonado por Pollyanna. E esse sentimento era tão evidente, que ficava estupefacto ao ver-se tão afetado e impotente face ao que lhe estava a acontecer. Sabia que as suas simpáticas pontes nada valiam quando comparadas com um sorriso de Pollyanna. Tinha consciência, isso sim, de que a ponte mais maravilhosa do mundo seria aquela que o ajudasse a atravessar o receio e a dúvida que sentia existir entre si e Pollyanna. Dúvida por causa de Pollyanna, receio por causa de Jamie. Interrogava-se sobre se Pollyanna gostaria de Jamie. E admitia que sim. A questão que se lhe punha era se deveria ficar de parte, como um fraco, e deixar que Jamie a fizesse gostar ainda mais dele. Isso sim, revoltava-o. Jimmy decidiu que não haveria de ser assim. Iria para uma luta justa entre ambos. No entanto, Jimmy sentiu-se corar até à raiz dos cabelos. Como uma luta "justa"? Seria possível haver uma luta "justa" entre ele e Jamie? Sobreveio-lhe de súbito o mesmo que sentira há anos, ainda rapaz, quando desafiou outro para brigar por uma maçã que ambos desejavam e depois descobriu, ao primeiro soco, que o outro era aleijado de um braço. Perdeu propositadamente. Mas, agora, dizia para consigo, era diferente. Pollyanna não era propriamente uma maçã. Era a felicidade da sua vida; e certamente também a dela. E mais uma vez, Jimmy voltou a corar, ao mesmo tempo que franzia a testa, zangado. Se ao menos conseguisse esquecer a expressão lamentosa do Jamie, "amarrado a duas muletas"! Mas de que serviria? Nem por isso seria uma luta justa, bem o sabia. Portanto, decidia: iria observar e esperar. Daria a Jamie a sua oportunidade. Sim senhor, que atitude bonita e heróica! Jimmy estava tão exaltado que se sentiu quase feliz, adormecendo em paz nessa noite. Porém, o martírio na prática é uma coisa e na teoria outra. Assim o verificaram os mártires desde tempos imemoriais. Foi fácil decidir, sozinho e no escuro, que o Jamie teria a sua oportunidade. Mas já não era tão fácil fazê-lo na prática, quando isso implicava deixar Pollyanna e Jamie juntos. Jimmy também estava preocupado com a atitude de Pollyanna, em relação ao jovem aleijado. Para Jimmy parecia que ela de facto gostava de Jamie, pelo zelo que mostrava em relação ao conforto dele e pela ânsia que parecia ter em estar com ele. Um dia como se fosse para desfazer qualquer dúvida que ainda existisse, Sadie Dean teve algo a dizer sobre o assunto. Estavam todos no corte de ténis. Sadie estava sentada sozinha quando Jimmy apareceu.- Joga a seguir com Pollyanna? - perguntou-lhe Jimmy. Ela respondeu que não. - Pollyanna não joga mais esta manhã.- Não joga mais? - perguntou Jimmy surpreendido, pois contava jogar com ela mais tarde. - Porque não? Sadie Dean não respondeu logo, desabafando com alguma dificuldade:- Pollyanna disse-me ontem que estavam a jogar ténis de mais e que isso não era simpático para Mr. Carew pois ele não podia jogar.- Eu sei, mas. - Jimmy não chegou a concluir, franzindo ainda mais a testa, pois Sadie Dean interrompeu-o.- Mas ele não quer que ela pare de jogar. Aliás não quer que nenhum de nós se comporte de modo diferente por sua causa. É isso que o magoa. Mas ela não compreende! Ouve algo nas palavras e nos modos dela que causou viva impressão em Jimmy. Uma pergunta aflorou-lhe os lábios. Era visível que se refreava, decerto preocupado, mas perguntou:- Porquê, Miss Dean? Acha que existe algum interesse especial entre eles? Ela olhou-o de modo trocista.- Onde tem os olhos? Ela adora-o! Melhor, eles adoram-se! - corrigiu apressadamente. Jimmy, fora de si, virou-se e afastou-se. Não queria ficar ali mais tempo, a falar com Sadie Dean. Por isso se afastou tão depressa que nem reparou que Sadie Dean também se virara e olhava fixamente para a relva. Era bem evidente que também ela não queria continuar a conversa. Jimmy Pendleton tentou auto convencer-se de que aquilo não era verdade. No entanto, verdade ou não, não conseguia esquecer. Procurou ser mais optimista, mas ressentia-se sempre que via Pollyanna e Jamie juntos. Até que acabou por achar que, afinal, era verdade e que se adoravam realmente um ao outro. E o resultado foi sentir o coração pesado como chumbo. De modo que, fiel à promessa que fizera a si próprio, afastou-se resolutamente. "Os dados estavam lançados", disse para si, "Pollyanna não seria dele". Seguiram-se dias de desassossego para Jimmy. Não ousava afastar-se completamente do solar dos Harrington, receoso que suspeitassem do seu segredo. Agora, estar com Pollyanna, era uma tortura. Até com Sadie Dean, pois não esquecia que fora ela quem lhe abrira os olhos. Nem, compreensivelmente, o Jamie podia ser o seu porto de abrigo, restando-lhe apenas Mrs. Carew. Esta, aliás, acolheu-o muito bem, e naqueles dias, realmente, era apenas junto dela que Jimmy se sentia confortado. Correspondeu exactamente ao estado de espírito dele, e era surpreendente como sabia tanta coisa sobre as pontes que ele ia construir. Além disso, era sensata e simpática, sabendo sempre dizer a palavra certa no momento certo. Um dia esteve quase a falar-lhe sobre o "envelope", mas John Pendleton interrompeu-os acidentalmente de modo que acabou por não lhe contar a história. O "envelope" era uma coisa que remontava à infância de Jimmy e que ele nunca tinha contado a ninguém, salvo a John Pendleton, e isso apenas por altura da sua adopção. Era um sobrescrito branco, grande, gasto pelo tempo e fechado misteriosamente com um selo de lacre vermelho. Fora-lhe dado pelo pai e inseria as seguintes instruções escritas pela sua própria mão: "Ao meu filho Jimmy. Não deve ser aberto antes de ele fazer trinta anos, excepto em caso de morte, devendo então ser aberto de imediato. " Às vezes Jimmy especulava sobre o conteúdo desse sobrescrito. Mas quase sempre esquecia a sua existência. Nos tempos em que esteve no orfanato, o seu maior temor era que o descobrissem ou lho tirassem. Tanto que o usava sempre escondido no forro do casaco. Mais tarde, por sugestão de John Pendleton, foi guardado no cofre da mansão. "Não sabemos que valor tem", dizia John Pendleton, "e o teu pai queria que o conservasses, por isso não podes correr o risco de o perder. " Foi este "envelope" que Jimmy esteve quase a referir a Mrs. Carew. E talvez tenha sido melhor assim, pensou Jimmy para consigo. "Quem sabe se ela pensaria que meu pai tivesse tido alguma coisa na sua vida que não fosse correcta? E não quero que assim pense de meu pai. "

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