14. Duas cartas

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Na segunda metade de Junho desse ano chegou uma carta de Della Wetherby para Pollyanna. "Estou a escrever-lhe para lhe pedir um favor. Tenho a esperança de que me possa indicar alguma família tranquila em Beldingsville, que esteja disposta a hospedar a minha irmã durante o Verão. Seriam três pessoas Mrs. Carew, a sua secretária e o seufilho adoptivo, Jamie. Eles não querem ir para um hotel nem para uma pensão. A minha irmã está muito cansada e o médico aconselhou-a a ir para o campo repousar: Ele sugeriu Vermont ou New Hampshire. Por isso, pensámos imediatamente em Beldingsville e em si. E aqui estou a perguntar-lhe se nos pode recomendar um lugar adequado. Eu disse a Ruth que lhe ia escrever: Eles gostavam de partir já no princípio de Julho, se possível. Seria abusar de si, pedir-lhe que nos informasse logo que soubesse de um local? Por favor responda para mim, aqui para o Sanatório. A minha irmã está connosco para algumas semanas de tratamento. "Aguardo resposta. Saudades, Della Wetherby. " Após os primeiros minutos, concluída a leitura da carta, Pollyanna sentou-se de sobrolho franzido, pensando em casas de Beldingsville que pudessem hospedar os seus amigos. De repente ocorreu-lhe outra coisa, muito diferente, que a fez correr de alegria à sala de estar, onde a tia curtia os seus prantos.- Tia, tive uma ideia ótima. Eu bem lhe disse que alguma coisa acabaria por acontecer. Ouça só! Recebi uma carta de Mrs. Wetherby, a irmã de Mrs. Carew, com quem fiquei há anos, no Inverno, em Boston. Lembra-se? Elas querem vir passar o Verão ao campo e Mrs. Wetherby escreveu-me a pedir se eu lhes podia arranjar um lugar. Não querem ir para um hotel nem para uma pensão. De princípio não me lembrei onde podia ser, mas agora já sei. Eureca! Adivinhe onde, tia?- Oh, querida, que excitação? - exclamou Mrs. Chilton - Nem parece teres vinte anos. De que estás tu agora a falar?- Sobre a casa onde hospedar Mrs. Carew e o Jamie.- Ah, sim? E então? Em que é que isso me pode interessar? murmurou Mrs. Chilton, alheada.- Ora, porque é aqui mesmo. Vamos tê-los aqui, tia.- Pollyanna! - Mrs. Chilton levantou-se muito hirta e horrorizada.- Ouça tia, por favor não diga que não. Por favor!- pediu Pollyanna, ansiosa. - Não está a ver? É a minha oportunidade, a oportunidade que eu já esperava. Podemos muito bem fazer isso. Temos imenso espaço e sabe que eu posso cozinhar e arrumar a casa. Receberemos dinheiro pois eles pagam bem. Adorariam vir para cá, tenho a certeza. São três pessoas, vem uma secretária com eles.- Mas, Pollyanna, eu não posso! Não posso transformar esta casa numa pensão! O solar dos Harrington não se pode tornar numa mera pensão. Não Pollyanna, não pode ser!- Não, tia não seria uma pensão vulgar, mas antes uma pensão invulgar. Diacho, e são nossos amigos! Amigos que nos visitam... embora como clientes, a pagar! Ganharíamos assim algum dinheiro, que tanto necessitamos, tia! O rosto de Polly Chilton foi atravessado por um espasmo de orgulho ferido. Com um lamento em voz baixa encostou-se na cadeira.- Mas, como, querida? - perguntou finalmente, com voz sumida. - Como podes tu fazer o trabalho todo sozinha?- Não, claro que não! - disse Pollyanna, já mais segura de ter convencido a tia. - Eu cozinhava e governava a casa, e tenho a certeza que uma das irmãs mais novas de Nancy nos podia ajudar no resto. Mrs. Durgin podia lavar a roupa, como faz agora.- Mas, Pollyanna, eu não me sinto nada bem e não posso fazer grande coisa.- Não, claro que não e não há razão nenhuma para que faça - disse Pollyanna meio a brincar. - Oh, tia! Não vai ser tão bom? Até acho demasiado bom para ser verdade. O dinheiro vir ter-me às mãos, assim! - Vir-te ter às mãos? Ainda tens de aprender muita coisa neste mundo, Pollyanna. Uma delas é que os hóspedes de Verão não pagam nada a ninguém sem obter bastante em troca. Actualmente, já cozinhas, arrumas e limpas a casa, e ficas esgotada. Depois, nem sei como será. Vais derrear-te a servir as pessoas e a pôr a casa em ordem. Depois me contas!- Está bem! - disse Pollyanna, já alegre. Então vou escrever imediatamente a Miss Wetherby, de modo a que o Jimmy Bean possa meter a carta no correio, quando vier à tarde. Mrs. Chilton olhou inquieta.- Pollyanna, não gosto que chames a esse jovem tal nome. "Bean" faz-me estremecer. Porque não Pendleton, tanto quanto eu sei?- Pois é - concordou Pollyanna -, esqueço-me quase sempre. Ele também não gosta... - concluiu, já a sair da sala, a dançar. Quando Jimmy veio visitá-la, às quatro da tarde, a carta estava pronta. Ainda tremia de entusiasmo e anseio e contou imediatamente a história ao seu visitante.- Estou morta por os ver - exclamou ela após lhe ter contado os seus planos. - Desde aquele Inverno que não os vejo. Acho que lhe contei tudo sobre o Jamie, não foi?- Sim, sim, contou. - Havia certo constrangimento na voz do jovem.- Não é esplêndido que eles possam vir? - Não vejo porque há-de ser esplêndido. - Então não tenho uma oportunidade tão boa para ajudar a tia Polly, mesmo que seja por pouco tempo? Claro que é esplêndido, Jimmy!- E muito duro para si - disse ele empertigado e incomodado.- Acredito que sim. Mas ficarei contente por causa do dinheiro. Estou sempre a pensar nisso. Sou mesmo mercenária, Jimmy! Durante um minuto não se ouviu resposta. Depois, um pouco de repente, o jovem perguntou:- Que idade tem esse Jamie? Pollyanna olhou-o com um sorriso feliz.- Ah, já me lembro, nunca gostou do nome dele, mas não interessa. Agora é adoptado e deve ter tomado o nome de Carew.- Pois, mas não me disse que idade ele tem.- Creio que ninguém o sabe, exactamente. Admito, porém, que seja mais ou menos da sua idade. Gostava de saber como está ele agora. De qualquer modo, nesta carta pergunto isso tudo.- Ah, pergunta? Pendleton olhou a carta que tinha na sua mão e sacudiu-a com algum desprezo. Apetecia-lhe deixá-la cair, rasgá-la ou sumi-la mesmo. Deitá-la no correio é que não. Jimmy sabia perfeitamente bem que estava com ciúmes e que sempre tinha tido ciúmes desse jovem de nome tão parecido e ao mesmo tempo tão diferente do seu. Não que ele estivesse apaixonado por Pollyanna. Assim, o afirmava veementemente a si próprio. Só que também não estava nada interessado em que esse estranho, de nome efeminado, viesse para Beldingsville transtornar os bons momentos que eles passavam juntos. Por pouco não o disse a Pollyanna. Até que se despediu, levando a carta consigo. Realmente, Jimmy não deu azo aos seus maus pensamentos sobre o encaminhamento da carta, pois, alguns dias mais tarde, Pollyanna recebeu uma rápida resposta, encantada, de Miss Wetherby, e quando Jimmy foi visitá-la já teve de ouvir falar dela, dado que Pollyanna a resumiu nestes termos:- Na primeira parte diz que está contentíssima por poderem vir. No resto, fala de pormenores sem interesse para si. Além disso, em breve, vai conhecê-los. Acredite, confio bastante em si, Jimmy, para - Não vejo porque há-de ser esplêndido. - Então não tenho uma oportunidade tão boa para ajudar a tia Polly, mesmo que seja por pouco tempo? Claro que é esplêndido, Jimmy!- E muito duro para si - disse ele empertigado e incomodado.- Acredito que sim. Mas ficarei contente por causa do dinheiro. Estou sempre a pensar nisso. Sou mesmo mercenária, Jimmy! Durante um minuto não se ouviu resposta. Depois, um pouco de repente, o jovem perguntou:- Que idade tem esse Jamie? Pollyanna olhou-o com um sorriso feliz.- Ah, já me lembro, nunca gostou do nome dele, mas não interessa. Agora é adoptado e deve ter tomado o nome de Carew.- Pois, mas não me disse que idade ele tem.- Creio que ninguém o sabe, exactamente. Admito, porém, que seja mais ou menos da sua idade. Gostava de saber como está ele agora. De qualquer modo, nesta carta pergunto isso tudo.- Ah, pergunta? Pendleton olhou a carta que tinha na sua mão e sacudiu-a com algum desprezo. Apetecia-lhe deixá-la cair, rasgá-la ou sumi-la mesmo. Deitá-la no correio é que não. Jimmy sabia perfeitamente bem que estava com ciúmes e que sempre tinha tido ciúmes desse jovem de nome tão parecido e ao mesmo tempo tão diferente do seu. Não que ele estivesse apaixonado por Pollyanna. Assim, o afirmava veementemente a si próprio. Só que também não estava nada interessado em que esse estranho, de nome efeminado, viesse para Beldingsville transtornar os bons momentos que eles passavam juntos. Por pouco não o disse a Pollyanna. Até que se despediu, levando a carta consigo. Realmente, Jimmy não deu azo aos seus maus pensamentos sobre o encaminhamento da carta, pois, alguns dias mais tarde, Pollyanna recebeu uma rápida resposta, encantada, de Miss Wetherby, e quando Jimmy foi visitá-la já teve de ouvir falar dela, dado que Pollyanna a resumiu nestes termos:- Na primeira parte diz que está contentíssima por poderem vir. No resto, fala de pormenores sem interesse para si. Além disso, em breve, vai conhecê-los. Acredite, confio bastante em si, Jimmy, para me ajudar a acompanhá-los e a tornar as coisas mais agradáveis para eles.- Ah está?- Peço-lhe que não seja sarcástico, só porque não gosta do nome do Jamie! - recomendou Pollyanna, fingindo-se severa. - Você, de certeza, vai gostar dele quando o conhecer. E há-de adorar Mrs. Carew.- Acha que sim? - retorquiu Jimmy amuado. É uma boa previsão! Espero ao menos que, se eu o fizer, você me corresponda com simpatia.- Mas é claro. Agora oiça, não resisto, vou ler-lhe sobre Mrs. Carew. A carta é da irmã, Miss Wetherby, que trabalha no Sanatório.- Está bem! - disse Jimmy, numa tentativa de mostrar educadamente interesse. 128 Pollyanna, sorridente e também ansiosa, começou a ler: "Pediu-me que lhe contasse tudo acerca de toda a gente. Isso é uma grande tarefa, todavia farei o melhor que puder. Para começar, penso que encontrará a minha irmã muito modificada. Os novos interesses que entraram na sua vida nos últimos seis anos fizeram milagres. Atualmente está um pouco magra e cansada, por excesso de trabalho, mas um bom repouso remediará isso e há-de ver como ela parece jovem e alegre. Por favor, repare que eu disse alegre. Isso, para si, não significa tanto como significa fica para mim, evidentemente, pois era demasiado nova para compreender como ela era triste e infeliz quando a conheceu naquele Inverno, em Boston. Então, a sua vida, não passava de indiferença e desespero, enquanto agora se apresenta cheia de interesse e alegria. "Primeiro, adoptou o Jamie. Quando os vir juntos compreenderá logo o que ele representa para ela. Continuamos sem saber se ele é o verdadeiro Jamie, ou não, mas minha irmã gosta dele como se fosse o seu próprio filho e adoptou-o legalmente, como calculo que saiba. "Depois tem as suas raparigas. Lembra-se da Sadie Dean, a empregada de balcão? Interessou-se por ela e procurou ajudá-la, proporcionando-lhe uma vida melhor. Depois, aumentou os seus esforços, pouco a pouco, e presentemente tem imensas raparigas que a consideram como o anjo-da-guarda. Abriu um lar, para raparigas trabalhadoras, em moldes novos. A sua principal auxiliar é a secretária, a Sadie Dean. Também a irá achar bastante mudada embora continue a ser a mesma Sadie. "Quanto ao Jamie, pobre Jamie! A maior tristeza da sua vida é que, agora, sabe que não mais poderá andar. Mas para quem conviva com Jamie, raramente o vê como um aleijado. Que alma a dele! Livre! É inexplicável, mas há-de perceber o que quero dizer quando o vir. Além disso, ele conservou maravilhosamente o seu entusiasmo de rapaz e a alegria de viver. Só há uma coisa que poderia extinguir o seu humor e lançá-lo no desespero. Seria descobrir que não é Jamie Kent, o nosso sobrinho. Ele tem-no desejado tão ardentemente que, presentemente, acredita de facto ser o verdadeiro Jamie. Mas, se não for, espero que nunca o venha a descobrir.- Aqui está, é tudo o que ela diz sobre eles - anunciou Pollyanna, dobrando a carta. - Não é interessante?- Sim, claro!- Agora, havia algo de genuíno na voz de Jimmy. Pensava no que representavam para si as suas pernas. Já não fazia caso de que esse pobre jovem aleijado beneficiasse de alguma atenção de Pollyanna, desde que ela não exagerasse!

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