5. Um novo conhecimento

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Acompanhada de Mrs. Carew, Pollyanna assistiu a concertos e matinés e visitou a biblioteca municipal e o museu de arte. Acompanhada de Mary, deu belos passeios para ver Boston e visitou o palácio municipal e a velha igreja do sul. Embora gostasse imenso de andar de automóvel, Pollyanna gostava ainda mais de andar de autocarro, como Mrs. Carew, surpreendida veio a descobrir.- Vamos de autocarro? - perguntou Pollyanna ansiosa.- Não. Perkins leva-nos - respondeu Mrs. Carew. A seguir, ao ver o desapontamento indisfarçável estampado no rosto de Pollyanna, ela acrescentou surpreendida: - Eu a pensar que a menina gostava mais de andar de automóvel!- Sim, sim! - assentiu Pollyanna, apressadamente. - Eu não devia ter dito nada! Possivelmente é mais barato do que andar de autocarro e.- Mais barato que andar de autocarro! - exclamou Mrs. Carew surpreendida. - Sim - explicou Pollyanna, de olhos mais abertos -, de autocarro são cinco cêntimos por pessoa e o automóvel não custa nada porque é seu. É claro, gosto muito do automóvel - apressou-se ela a dizer antes que Mrs. Carew falasse. - É só porque no autocarro há tanta gente e é muito divertido observá-los, não acha?- Não, Pollyanna, não acho - respondeu Mrs. Carew secamente. Por acaso, dois dias depois, Mrs. Carew ouviu algo mais sobre Pollyanna e os autocarros, e desta vez foi Mary que lhe contou.- Que estranho, minha senhora! - explicava Mary, em resposta a uma pergunta que a patroa lhe fez.- A prontidão com que Miss Pollyanna transforma toda a gente, sem qualquer esforço! Está nela! Transpira felicidade! Calcule, entrámos num autocarro, em que todos pareciam mal dispostos, e cinco minutos depois tudo era irreconhecível. Homens e mulheres tinham parado de resmungar e as crianças pararam de chorar.- Às vezes, é por algo que Miss Pollyanna me diz e que as pessoas ouvem. Outras, é apenas o "obrigado" que ela diz quando alguém insiste em dar-nos o lugar. Outras ainda, é pela maneira como ela sorri para um bebé ou para um cão. É verdade, todos os cães abanam a cauda com ela; e todos os bebés, crescidos ou mais pequenos, sorriem e acenam para ela. Se o autocarro não pára, ela faz disso uma brincadeira, e se por acaso, nos enganamos no autocarro, é a coisa mais divertida que nos pode acontecer. Ela é assim com todas as coisas. De facto, com Miss Pollyanna ninguém consegue estar malhumorado!- Sim, acredito - murmurou Mrs. Carew, retirando-se. O mês de Outubro veio a revelar-se nesse ano especialmente quente e agradável. E à medida que os dias dourados passavam, tornava-se evidente que acompanhar o ritmo de Pollyanna, quando saíam de casa, era uma tarefa que consumia bastante tempo e paciência a qualquer um. Mrs. Carew dispunha de tempo, mas não de paciência; por outro lado, não estava disposta a permitir que Mary passasse tanto tempo com Pollyanna nas suas fantasias. É claro que estava fora de questão manter a criança dentro de casa. Foi assim que, algum tempo depois, Pollyanna se veio a encontrar no grande e belo jardim, no Jardim Público de Boston, e sozinha. Aparentemente, tinha toda a liberdade mas, na realidade, estava sujeita a uma quantidade de regras. Não devia conversar com estranhos, fossem homens ou mulheres; não devia brincar com crianças estranhas e, em circunstância nenhuma, devia sair do jardim, excepto para voltar para casa. Além disso, Mary, que a levava ao jardim, verificava primeiro se ela saberia depois regressar a casa e se sabia que a Commonwealth Avenue vinha de Arlington Street através do jardim. E o regresso a casa seria necessariamente quando o relógio da torre da igreja badalasse as quatro e meia. Pollyanna, passou realmente a ir muitas vezes ao jardim. Muitas vezes acompanhada de algumas das colegas da escola; mas, muitas mais sozinha. Apesar das restrições serem rígidas, divertia-se muito. Podia observar as pessoas sem mesmo falar com elas; e podia também conversar com os esquilos e os pombos que vinham avidamente comer as nozes e os grãos de milho que ela sempre lhes levava. Encontrou muitas vezes um rapaz numa cadeira de rodas, com quem gostava de falar. Gostava de se entreter com os animais, especialmente quando eles vinham buscar-lhe as nozes aos bolsos. Mas Pollyanna, observando à distância, notava sempre uma circunstância estranha. Apesar da satisfação do rapaz em servir o seu banquete, a reserva de comida que trazia acabava quase sempre imediatamente e apesar de ele dar mostras de desapontamento, tal como o esquilo, nunca solucionava o problema trazendo mais comida no dia seguinte. Pollyanna achava que era uma questão de vistas curtas. Quando o rapaz não brincava com os pássaros e com os esquilos, entretinha-se a ler. Na cadeira tinha normalmente livros usados e, às vezes, uma revista ou duas. Ele estava quase sempre num lugar especial e Pollyanna intrigava-se como é que ele lá chegava. Então, num dia inesquecível, descobriu. Era feriado e fora mais cedo. Logo após ter chegado ao lugar do costume, viu trazerem-no na cadeira de rodas. Um rapaz de cabelo claro empurrava-a. Correu ao encontro deles, com contentamento.- Não devo conversar com desconhecidos. Mas consigo posso, porque o conheço de vender jornais lá na rua e também posso conversar com ele, depois de sermos apresentados - concluiu ela, com um olhar cintilante na direção do rapaz paralítico. O rapaz riu-se para o lado e deu umas palmadinhas no ombro do rapaz paralítico.- Estás a ouvir? Vou apresentar-te! - e, adoptando uma atitude pomposa, disse: - Minha senhora, este é o meu querido amigo Sir James, Lorde of Murphy's Alley, e... - mas o rapaz da cadeira de rodas interrompeu-o.- Jerry, deixa-te de disparates! - exclamou zangado; depois, virando para Pollyanna o rosto radiante, disse: - Tenho-a visto aqui muitas vezes, e observo-a particularmente quando dá de comer aos pássaros e aos esquilos, pois traz sempre muita comida para eles! Até acho que prefere, como eu, o Sir Lancelot. Mas, claro, também temos a Lady Rowena, mas não acho que ela tenha sido malcriada com Guinevere, ontem, quando lhe tirou o jantar da frente. Pollyanna, confusa, piscou os olhos e franziu a testa, olhando ora para um ora para outro rapaz. Jerry riu outra vez à socapa. Depois, com um último empurrão, colocou o carro na posição habitual e preparou-se para ir embora. Por cima do ombro ainda disse a Pollyanna:- Olhe, menina, deixe-me avisá-la de uma coisa. Este tipo não está bêbado nem é maluco, percebe? Ele só deu os nomes aos seus amiguinhos - e fez um gesto amplo dos braços na direcção das criaturas felpudas e aladas que se juntaram ali vindas de todos os lados. E nem sequer são nomes de gente. São nomes de pessoas dos livros, está a perceber? Então adeus, Sir James- despediu-se ele com uma careta para o rapaz da cadeira de rodas, e foi-se embora. Pollyanna ainda piscava os olhos e franzia a testa quando o rapaz paralítico se virou para ela com um sorriso.- Não ligue ao Jerry. Ele é assim. Era capaz de cortar a mão direita por minha causa, mas gosta muito de brincar. Ele não me disse o seu nome. - Chamo-me Pollyanna Whitier. Uma expressão de simpatia espelhou-se nos olhos de Pollyanna.- Não consegue andar mesmo nada, Sir James? O rapaz riu divertido, para depois esclarecer:- Com que então Sir James! Isso foi mais um dos disparates do Jerry. Não sou "sir". Pollyanna pareceu desapontada.- Não é? Nem é "lord", como ele disse?- Claro que não.- Pensava que era. Como o pequeno Lord Fauntleroy. E. Mas o rapaz interrompeu impaciente:- Conhece o pequeno Lord Fauntleroy? E também conhece Sir Lancelot e o Graal Sagrado, o Rei Artur e a Távola Redonda, e Lady Rowena e Ivanhoe? Conhece-os todos? Pollyanna fez um sinal de dúvida.- Receio não os conhecer todos - admitiu. Estão todos nos livros? O rapaz fez que sim com a cabeça. - Tenho-os aqui. Alguns deles já os li várias vezes. Encontro sempre algo de novo neles. Sabe, também não tenho mais. Estes eram de meu pai. Deixa isso, meu diabinho! - interrompeu ele, rindo e dirigindo-se a um esquilinho pendurado nas suas calças, que metia o nariz num dos bolsos. - Acho que é melhor dar-lhes a paparoca, senão ainda nos comem - disse o rapaz a rir. Este é o Sir Lancelot. É sempre o primeiro. O rapaz puxou de uma caixinha, que abriu com cuidado, protegendo-a dos inúmeros olhitos brilhantes que observavam cada movimento. Em redor dele só se ouviam zumbidos e batidelas de asas. Sir Lancelot, atento e ávido, ocupava um dos braços da cadeira de rodas. Um outro amiguinho, de cauda farfalhuda, menos atrevido, sentava-se nos quartos traseiros a um metro de distância. E um terceiro esquilo chiava barulhento num ramo de uma árvore vizinha. Da caixa, o rapaz tirou algumas nozes, um pãozinho e uma rosca. Olhou para esta, hesitante, e perguntou a Pollyanna:- Traz alguma coisa?- Sim, trago muita coisa - respondeu Pollyanna, batendo no saco que trazia.- Então, hoje talvez a coma - disse o rapaz, guardando a rosca com ar de alívio. Pollyanna, para quem esse gesto passou quase desapercebido, meteu os dedos no seu próprio saco e deu início ao banquete. Foi uma hora maravilhosa. Para Pollyanna, foram os momentos mais maravilhosos que passou desde que chegara a Boston, pois tinha encontrado alguém com quem podia falar depressa e durante todo o tempo que queria. Este estranho jovem parecia dispor de uma colectânea de histórias maravilhosas sobre bravos guerreiros e lindas damas, de torneios e batalhas. Além disso, descrevia as suas imagens com tanta nitidez e vivacidade, que Pollyanna via com os seus próprios olhos os feitos valorosos dos guerreiros em armas, e as belas damas com tranças, trajando vestidos carregados de jóias. As "Senhoras da Caridade" foram esquecidas. Nem sequer pensava no "Jogo do Contentamento". Pollyanna, com a face corada e os olhos brilhantes, percorria aquela época encantada conduzida por um rapaz que se alimentava de romances, e que, apesar de o desconhecer, tentava meter nessa curta hora em que estava acompanhado inúmeros dias de solidão. Quando soou o meio-dia, Pollyanna apressou-se a regressar a casa e, no caminho, lembrou-se de que nem sabia o nome do rapaz. "Só sei que não se chama Sir James", e suspirou, franzindo a testa contrariada. "Mas não faz mal, amanhã vou perguntar-lhe. "

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