Parte 1-2 • Changkyun

61 12 11
                                    

Changkyun

Sempre que eu fecho os olhos e contemplo a escuridão com a minha mente, sou capaz de escutar o riso dele. Suas mãos brincando com as minhas e seu cabelo fazendo cócegas em minha pele, lembranças que parecem tão vivas e que me inundam de uma alegria superficial que desaparece em instantes, mais precisamente por eu ser acometido de pensamentos sobre sua atual ausência. Minhyuk não deveria ter partido tão cedo, eu sempre digo a mim mesmo, eu não deveria ter deixado que ele partisse daquela forma.

Tão simples quanto me lembrar de nossos bons momentos é a recordação de seus olhos inchados e a intimação em suas mãos, o envelope contendo a notícia de nossa forçada separação. Uma semana, uma semana e ele perderia a vida para salvar outras vidas, era o que os relatórios diziam. "Eu vou ter Alzheimer", foi o item que mais mexeu com ele.

Embora a realização dos sacrifícios seja necessária, a população não pode diminuir drasticamente. Querendo ou não, as máquinas ainda precisam dos humanos.

Mas ele, ele não precisava ter sido sentenciado. Porque o mundo precisa de pessoas como Minhyuk.

O meu mundo precisa.

Porém ele caminhou até o laboratório da área norte, como indicado em sua carta, abraçado a mim e sua mãe numa despedida rápida e extremamente dolorosa. E seus olhos naqueles últimos instantes estavam inundados de amor, de todo o amor que ele ainda tinha para distribuir e não mais poderia fazê-lo.

Eu me sinto arrepiado por ainda conseguir imaginá-lo e a seus olhos, tão próximos como se nada tivesse mudado. Como se ele fosse chamar por meu nome a qualquer instante e trazer seu corpo para perto do meu. Mas amá-lo agora dói como nunca, como se cada pedaço de mim estivesse apodrecendo e eu estivesse sendo comido vivo por insetos, de dentro para fora. Como se eu tivesse me jogado de um penhasco e meu corpo estivesse batendo infinitamente em suas pedras pontiagudas. Dói porque eu escuto a minha própria voz dizer que ele nunca mais vai voltar.

Mesmo quando meus olhos se abrem, eu ainda consigo ouvir o riso dele. Porque aquele apartamento todo, cada mínimo detalhe, aprisiona algo sobre Minhyuk. Aquele lugar o guarda em cada centímetro e Hyunwoo também pode sentir. Sentado no sofá, admirando os móveis mais próximos, ele exibe um semblante compassivo e concentrado. Tem inveja de mim porque não pôde estar aqui dentro sempre que teve vontade. Porque aqui há lembranças das quais ele não faz parte. Porque ali Minhyuk sorriu para mim, e me tocou, e me beijou, e fez amor comigo.

Quando Minhyuk se foi, eu abri as portas a Hyunwoo, não porque queria dividir a minha dor, mas porque o entendo perfeitamente. E o fato de ele entrar e permanecer por um tempo, às vezes horas, não me incomoda.

Principalmente agora que ele me cede uma pequena dose de esperança.

- Vinte. Sete, oito, cinco - ele murmura, como se rabiscasse ligações entre pontos dentro de sua cabeça. - Hoseok ainda não descobriu como se chega até lá...

Nem a distância ou as condições ou qualquer outra pista. Hyunwoo sente-se tão próximo de descobrir a verdade, mesmo não tendo muito no que se basear, que seus olhos faíscam. Eu tenho vontade de perguntar se ele me permite ajudar, mas está claro que, ao manter-me informado, eu devo apenas esperar. O fato de ele ter me contado sobre suas descobertas na cafeteria ao invés de fazê-lo em segurança no apartamento demonstra o quanto ele demorou em obter coragem suficiente para dividir tudo comigo - e se não o tivesse feito ali, enquanto mexia na carcaça perfeita de Rainbow, talvez nunca mais conseguisse reunir forças para tocar no assunto novamente. Aquela pesquisa é algo dele para uma satisfação própria, talvez até para me passar a perna, mas isso não importa no momento. Se Minhyuk estiver nesse lugar cujo nome ele tanto balbucia, então eu o encontrarei, com ou sem ajuda.

20785Onde histórias criam vida. Descubra agora