20785 • Extra Chapter • Kihyun

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Kihyun

"Like there's no tomorrow, like there's no next time.

Even at the end, if you're with me, I'm okay"

Há um dia na semana em que a área 20785 fica ligeiramente segura: quando as cargas chegam das cidades modelo e todos os habitantes renegados e vagabundos se entretem acumulando máquinas velhas, roupas e comida. De vez em quando, são deixadas bebidas, drogas e medicamentos, qualquer coisa que não preste ou que não tenha mais utilidade. E às vezes, aparecem os sacrifícios, pessoas que foram literalmente descartadas das cidades perfeitas porque tinham algum defeito.

Foi isso o que aprendi com meus pais adotivos e com Hyunwgon - que era filho deles. Nestes dias, eu saía pelos cantos imundos do centro para escapar um pouco da solidão do apartamento onde eu ficava enfurnado durante quase todo o tempo; de vez em quando caminhava apenas até a esquina, às vezes dava passos mais largos até onde as ruas asfaltadas terminavam e era possível enxergar o início dos trilhos de trem e seus vagões no horizonte. Ao retornar, parava no corredor de paredes manchadas com sangue e me lembrava de que meus pais haviam morrido ali, como tantos outros.

Hyungwon é uma espécie de médico e faz o possível para ajudar as pessoas que aparecem em busca de auxílio ou aquelas que ele encontra quando anda pela cidade. Por causa dele eu estou em segurança - por ser útil, ele é protegido -, mas embora tenhamos crescido juntos nos últimos anos, não temos tanta confiança um no outro - não se pode confiar em ninguém nesse lugar. No edifício onde vivemos há um quarto repleto de livros e lá eu também mato o tempo lendo no escuro com o auxílio de uma lanterna. De vez em quando ajudo Hyungwon com o manuseio de medicamentos que ele traz de um lugar que chama de comunidade e conversamos sobre o necessário, porque não há mais ninguém de quem podemos ser tão próximos.

Isso muda no dia em que encontro aquele garoto, cercado por dois rapazes que certamente lhe dariam o destino de todos os sacrifícios que jamais conseguiram cruzar mais do que três ruas em segurança. Aproximando-me sorrateiramente, golpeio o homem mais baixo na nuca usando um pedaço de ferro que eu havia encontrado pelo caminho, e desvio com sucesso do soco do segundo homem, tirando-o de cima do garoto. Peço a ele para que fuja enquanto eu evito os punhos dirigidos à mim e chego a cair no chão depois de levar um chute na lateral de minha perna. Eu já tinha brigado antes, mas não conduzia a cena com a minha força e sim com atenção. Quando por fim escapo, com gosto de sangue na boca, procuro pelo garoto e o encontro atrás de um contêiner, escorado na parede como se estivesse em choque. Sem dizer nada, eu o pego pelo pulso e nos colocamos a correr por alguns metros até o silêncio nos confidenciar que não estamos sendo seguidos.

Quando finalmente paramos, eu me viro de frente para ele e pergunto se está tudo bem. Ele me responde com um aceno de cabeça negativo e seus olhos estão marejados. Por impulso, limpo o canto de sua bochecha, que tem um corte pequeno de onde sai sangue e ele tenta me impedir, afastando meu braço com a mão. Neste momento eu reparo que ele é um sacrifício, porque seu nome está escrito acima dos números 20785 em sua palma. Minhyuk.

Diante de toda a imundície e da cidade acinzentada aos pedaços, eu vejo nele todo o paraíso com o qual sempre sonhei. Penso que talvez seja um engano ele ter sido descartado porque ele é perfeito demais para estar aqui. Que defeito ele teria? O que ele teria feito para ter sido jogado no lugar que é quase como um verdadeiro inferno?

- Eu não vou machucar você - eu lhe digo e estendo a minha mão. Demora um pouco até que ele aceitasse e quando o faz, partimos juntos para encontrar Hyungwon.

Hyungwon claramente fica surpreso ao se deparar com Minhyuk. Mais ainda quando ele revela que não se lembra de nada além de seu nome - apenas porque este estava escrito em sua palma. Nós o ajudamos com os pequenos ferimentos e lhe acomodamos no quarto antes vazio, dando-lhe comida e cobertores. Assistimos enquanto ele pega no sono e lhe damos privacidade para que descanse.

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