Parte 2-1 • Hyunwoo

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Hyunwoo

"Why do I need you again although I know that I'm gonna be hurt?"

Embora eu tenha planejado tudo, chegar à este lugar me faz perder quase completamente o rumo. Esta é a nona ou décima vez que eu tento abrir os olhos e finalmente consigo. Estou caído, com as costas apoiadas numa parede, dentro do que parece ser um galpão abandonado e entregue ao nada. Posso sentir a umidade através do cheiro de mofo que impregna o ar mas, aos poucos, vou me acostumando aos diferentes odores. Está um pouco escuro e eu não faço ideia de que horas são. Também não consigo raciocinar e determinar por quanto tempo eu fiquei desacordado. Eu tenho lembranças compostas por segundos que me dizem que eu fiz uma viagem, um tipo de travessia que muitos diriam ser uma passagem entre mundos alternativos, mas eu tenho plena certeza de que ainda piso na mesma Terra de antes. Eu ouço vozes, talvez das outras pessoas que também foram transportadas e eu sinto pequenas pontadas em meu pescoço, como se tivesse sido picado por injeções diversas vezes.

Esse é o procedimento, penso, recordando-me do momento em que pisei na sala de sacrifícios e me deparei com o robô de corpo perfeito que, com sua voz também perfeita, me pediu para que me sentasse e então aplicou algo em meu pescoço usando uma seringa muito menor do que as convencionais. Eles devem ter reaplicado esse soro, ou seja lá o que aquilo era, durante o trajeto.

A certeza de que eu estou na área 20785, como desejei, encontra-se na palma de minha mão. Escrita em caneta preta como um lembrete infantil, os números aparecem bem abaixo do meu primeiro nome. Não evito o riso. Chega a ser irônico o fato de eles ainda se importarem com algo tão simples como nossos nomes.

Sinto minhas pernas dormentes. Estico os braços e todo o meu corpo parece despertar de repente. Corro os olhos por mim mesmo. Não há ferimentos em meu corpo, constato, nenhum arranhão. Levo as mãos até meu rosto e minha pele está morna, as pontadas no pescoço fazem meus dedos correrem por ali e deixo escapar um longo suspiro ao sentir que o cordão ainda está comigo. Fino, ele é feito de um fio negro que não se parece em nada com ouro, prata ou qualquer outro material interessante aos olhos alheios. Pendurado a ele, há um pingente em formato de V, também de coloração escura, pouco chamativo. Eu havia retirado o meu bracelete - chamado "da sorte" por pura pieguice - e o pendurado junto ao cordão, então tiro ambos do pescoço para separá-los. Devolvo o bracelete no pulso e recoloco o cordão, sabendo que cometi um grave erro para com Changkyun, mas sabendo também que essa é a única maneira de encontrar Minhyuk.

Descanso nessa mesma posição durante alguns minutos, minhas pernas parando de formigar e meu corpo de repente percebendo o frio que indica que já está anoitecendo. Ainda há luz lá fora e ela entra de mansinho através de uma grande abertura numa das laterais do galpão. Corro os olhos pelo lugar em busca de algo ou alguém, mas o silêncio me ajuda a saber que eu estou sozinho. Tento imaginar como foi durante a viagem, por onde teriam me levado e por que haviam decidido me deixar ali. Será que em algum momento eu despertei e caminhei inconsciente de que eu podia fazê-lo? Haveria máquinas naquela área? Robôs responsáveis por nos distribuir entre os prédios abandonados da cidade?

Sinto uma preguiça enorme e estou prestes a voltar a dormir ali mesmo quando escuto um barulho vindo de fora do galpão, seguido de um grito de alerta. Meu corpo enrijece no instante em que um segundo grito, dessa vez de dor, reverbera pelo lugar e eu aprumo meus ouvidos, constatando que há pelo menos três pessoas lá fora, uma delas provavelmente sendo espancada pelas outras duas. As súplicas que invadem o ar pedem para que o ato seja interrompido, mas o som de chutes e até mesmo risadas continua por algum tempo. Sinto que estou tremendo, mas não me movo. Aqui dentro está escuro o suficiente para que eu não seja notado. A menos que alguém entre no galpão e dê alguns passos até o seu centro, eu sou, no momento, invisível.

20785Onde histórias criam vida. Descubra agora