Parte 4-2 • Hyunwoo

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Hyunwoo

Cães fogem para morrer. Eu havia aprendido isso muito cedo, quando perguntei aos meus pais o motivo de eu não poder ter um animal de estimação. Em Soul é muito difícil encontrar animais, pois não se pode mantê-los a menos que você permita que eles sejam usados para pesquisas quando solicitado.

Hyungwon vê o medo em meus olhos e sabe que eu o julgo por ter envenenado o cachorro para se livrar dos chips. Chega a me dizer que o animal não está morto: perambularia por mais algum tempo por conta da droga que ele havia manipulado e usado naquele pedaço de carne, o que me parece ainda mais cruel.

Há uma fileira de casas abandonadas e nós começamos a vasculhar cada uma delas. O cheiro de mofo é detestável e uso um pedaço de tecido para cobrir o rosto e amenizar o fedor, mas não funciona. Não há nada nas primeiras casas, mas Hyungwon, que sempre vai na frente, fica deveras animado quando alcançamos a casa cujo cheiro é o mais forte até ali.

Não sei comparar o cheiro daquele cômodo com nada no mundo. Dizer que é horrível soa até como um elogio. É um odor de podridão absurdo, que parece empestear as minhas narinas e o meu cérebro de uma só vez. A vontade de vomitar me faz ficar parado do lado de fora ponderando sobre voltar sozinho para os trilhos de trem. Hyungwon adentra o lugar e o escuto quase passando mal, mas ele está convicto de seu objetivo. Seguro a respiração e entro, estreitando os olhos por conta da sensação ruim em meu corpo e também por conta da pouca iluminação. Lá está um corpo no chão, praticamente coberto de larvas e outros bichos estranhos, os cabelos que me fazem lembrar de Rainbow como ela costumava ser, o buraco em seu tronco com marcas de metal e o sangue que agora são manchas negras espalhadas por toda parte. Poderia até ficar em dúvida se lhe haviam arrancado algo do corpo ou se ela havia explodido de dentro pra fora.

Hyungwon olha o que acha necessário, move o corpo em decomposição para o lado e deixa-o na mesma posição em que a encontramos. Quando saímos e finalmente podemos respirar - embora ainda sentindo o mau cheiro impregnado em nossos próprios corpos, um pouco mais fraco -, Hyungwon me pergunta se eu já havia lidado com máquinas daquele tipo. Eu respondo que sim, mas que é muito difícil perceber que se trata de um humano.

- Se meus pais estivessem vivos, eles adorariam saber disso - ele comenta.

Eu quero entender o que ele está querendo dizer, mas ele pede para que continueamos andando. Nós nos distanciamos daquele lugar depressa e Hyungwon me informa que iremos até a comunidade para que possamos pegar alguns mantimentos antes de retornarmos ao prédio, para Minhyuk e Changkyun.

-x-

A comunidade é um lugar muito bem cuidado. É quase como uma Soul em miniatura, talvez a única parte preservada da área 20785. Há muito mais gente do que eu imaginei ali, todos ajudando de alguma forma. Hyungwon os conhece bem e logo que chegamos, eu o ajudo a cuidar de algumas pessoas que apresentam ferimentos leves por conta dos trabalhos que desenvolvem. Eles me contam que há até mesmo um esquema forte de segurança ali dentro, o que os permite sentir um pouco de paz num lugar quase inteiramente vencido pela fome e selvageria humana.

Passaremos a noite aqui e quando eu já estou no quarto de uma das casas emprestadas, Hyungwon se senta numa das camas e me faz uma proposta.

- Me conte a verdade e eu farei o mesmo.

- Não sei do que está falando - eu digo, passando as mãos por meus cabelos antes de me sentar de frente pra ele na outra cama.

- Eu sei que está mentindo para Minhyuk - ele dz. - Só confirme. Eu confio em você e sei que há coisas que o estão deixando extremamente curioso. É uma boa hora pra descobrir as respostas, Hyunwoo...

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