De novo e de novo

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Eu ponho meu nome naquela lista, e envio meus dados para aquele e-mail; e já estou tão cansado dessa rotina, que as vezes sinto que já nem sei o que estou fazendo. Me catalogaram e eu não fiquei sabendo...
É segunda-feira e o telefone toca.
“Você deve vir às 9h”, ela diz, e por um instante eu me pergunto se é piada. “Traga toda sua documentação, e venha vestido adequadamente”.
Visto minha calça jeans surrada – que é a única que eu tenho, e que faz quase três anos que não troco -, uma camisa azul sem estampa – que é a menos desbotada entre as que estão no cabide, e ainda assim tem um furo debaixo da manga direita -, e calço meus tênis All Star que estão velhos e enlameados. Tento limpá-los ao máximo, mas me dou conta de que não irá fazer diferença, pois eu moro no fim do mundo, entre a lama, a poeira e o esgoto. Mas isso é tudo o que eu tenho.
Eu saio de casa, com a mochila nas costas e um frio na barriga. À porta minha mãe me deseja boa sorte, meu pai já não se ilude, e já não tenho o que discordar de sua visão. Depois de pegar a condução, chego ao local determinado. Logo percebo que sou o primeiro entre os candidatos à chegar, e por um instante isso até me faz sentir mais confiante. Mas após dez minutos aquilo se torna um aglomerado de miseráveis esperando por uma vaga de emprego, e isso me faz sentir pequeno e incapaz.
Eu espero e espero até chegar a minha vez de ser chamado à entrevista; e quando isso por fim acontece, eu já estou completamente desiludido de que terei algum retorno. Eu me sento a cadeira e cruzo os braços. Me lembro de que havia me prometido que não deixaria o nervosismo me atrapalhar. Descruzo.
“Tudo bem?”, pergunta o entrevistador, totalmente simpático, como sua função lhe cobra por ser.
“Tudo", respondo, e quase não ouço minha voz. Eu limpo a garganta com um pigarro e desvio o olhos para o canto da sala.
Ocorre um momento de silêncio em que me sinto completamente vulnerável, pois sei que estou sendo avaliado.  Sinto uma fisgada na barriga, e eu me ajeito na cadeira. Fecho os punhos sobre meus joelhos. Volto a encarar o homem.
“Aqui no seu currículo diz que está em busca de seu primeiro emprego", ele diz, numa entonação que me faz pensar se ele quer que eu responda.
“Aham"
“E você tem vinte cinco anos, está correto?”, ele checa essa informação no cabeçalho do documento, mas tenho a sensação de que ele a tinha em seu conhecimento antes de eu entrar àquela sala, e que agora a usa de forma a me fazer sentir inadequado.
“Isso", respondo.
“Humm. Ensino Médio Completo", ele continua lendo. “Nenhuma faculdade?”, pergunta.
“Ainda não...”
“Você já teve alguma experiência com vendas?”, ele me interrompe. “Qualquer experiência, mesmo que informal"
Paro pra pensar, mas a decisão dele já foi tomada e ele não me dá a chance de responder.
“É o seguinte”, ele diz, e o peso dessas três únicas palavras faz meu coração se preencher de frustração.
E então, sem rodeios, ele me dispensa, e eu nem posso culpá-lo, ele só está exercendo sua função, sendo prático; ainda há vários outros candidatos para ser entrevistados, e ele não pode perder tempo comigo. Quem sou eu afinal? Meu currículo é uma negação, minha vida é uma piada.
Volto para casa me sentindo o maior imprestável. Minha mãe diz que irei conseguir na próxima; e por hora, sua positividade serve apenas para me irritar. Meu pai não diz nada, ele nem está em casa, e quando chegar do trabalho ele não vai nem se importar em perguntar; ele já se acostumou a me ver falhar.
Me tranco no quarto e fico a meditar em minha vida; me pergunto quando é que alguém vai me dar uma oportunidade que seja para mostrar que eu sou sim capaz de fazer algo, independente do que diz em uma folha de papel. Não estou pedindo muito, vê? A noite chega, e eu durmo. Pela manhã eu acordo, e eu ligo meu computador e começo a busca novamente. Mesmo desiludido, fico a espera que o telefone toque.
Será que conseguirei da próxima vez?

Dicotomia do SerOnde histórias criam vida. Descubra agora