Dos dias de cativeiro

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Hoje eu vou tapar meus ouvidos, pois toda vez que ouço o cantar do Pássaro à minha janela pela manhã, eu me recordo dos dias em que estive preso àquela gaiola que você dizia ser a vida que eu merecia ter. Eu desesperadamente arranhava as grades daquele cativeiro, tentando escapar de suas duras leis, pai, enquanto você se comprometia em reforçar cada vez mais minha "segurança", obstruindo minha visão para o mundo além de minha prisão. Enquanto me alimentava com o "pão sagrado", eu definhava e morria pela falta do mundo, que você julgava "imundo". De dentro daquela gaiola eu ouvia o bater das asas de milhares de outros de minha espécie, e os ouvia cantar pela liberdade que tinham; e isso à mim era o pior das agonias, vislumbrar o céu por entre as frestas de meu cativeiro, e entender que eu nunca alcançaria aquelas nuvens. Você me viu morrer naquela gaiola, pai; você me viu perder todo sentido da vida; eu me cobri de tristeza, e aceitei minha derrota, e você se satisfez por eu ter desistido de lutar.

Hoje eu ainda sinto as dores do meu dia de fuga. Eu me espremi por entre aquelas grades do sagrado, por entre as doutrinas e as normas do Templo. O sacrifício me custou parte de quem eu era; minha alma se comprimiu, e foi preciso enrijecer meu coração, para não ceder ao lamento de minha mãe. Escapei daquele cativeiro, daquela vida que nunca havia me pertencido, e deixei para me curar no distante daquele lugar; mas nunca de fato consegui me recompor totalmente daqueles dias engaiolado. Os dias perdidos jamais voltarão, e minhas cicatrizes ficaram expostas; hoje eu já não consigo voar como deveria; a vida tem passado por mim, e eu sinto que nunca vou me igualar ao bando.

Dicotomia do SerOnde histórias criam vida. Descubra agora