2 - PERDIDA, PORÉM PLENA

418 64 461
                                    

DIÁRIO DE DENTRO

Publicado em 04 de agosto de 752, por Regina de Albuquerque.

O que todos os cidadãos se perguntam é: onde está a Dona do Castelo? Por onde anda? Por que não se mostra? Ao que parece, meus queridos leitores, não saberemos tão cedo quando a veremos novamente. Boatos correm soltos acerca do motivo de seu isolamento e são todos distintos: a Dona permanece de luto pela morte do duque; está doente e se mantém isolada para cura; está viajando disfarçada pelas ilhas ou procura pelo misterioso tesouro de Martinho.

Onde estiver, Dona, e se estiver lendo esta coluna, saiba que seu povo aguarda ansiosamente sua aparição.

***

Júlia pensou que havia morrido. Mexeu os dedos. Estavam ali. Acho que não morri. Verificou todo o seu corpo. Tudo no lugar. Sem dor de cabeça. Certo, por que não enxergo, então?

Estava tudo escuro. Júlia estava deitada sobre algo que parecia ser uma cama pequena. Não consigo abrir meus olhos. Eu tenho de abrir os olhos! Certo, Júlia, tente se acalmar. Ela tentou mexer a mão. Sem sucesso. Os pés. Sem sucesso.

Alguém abriu sua boca e derramou um líquido sem que ela conseguisse protestar. Acorde, Júlia, acorde! Talvez a bebida servisse para acordar, porque imediatamente seu corpo começou a formigar, como se estivesse tomado por uma onda de energia. Ela mexeu os pés e as mãos. Uhu! Também tentou abrir os olhos e viu através uma fresta, a visão embaçada.

O local em que estava era escuro e, pelas luzes amareladas e dançantes, havia fogo ali. Velas ou lareira. Não sabia ao certo. Ainda tentando limpar a vista, ouviu o barulho de algo sendo mexido numa panela de barro, junto de assobios. Aquilo a fez lembrar do seu pai, que assobiava perfeitamente.

De repente, recordou que havia caído em algum lugar. Talvez tivesse batido a cabeça com muita força. Tente se lembrar onde estava! Estava num shopping com Luisa... minha cabeça doía. Pronto. Era tudo que se lembrava. E agora estava ali, deitada num lugar no qual nunca havia estado antes. Será que desmaiei? Luisa está aqui comigo?

Agora conseguia ver uma senhora de costas arqueadas, cortando alguma coisa num balcão. Ela cantarolava. Parou para mexer algo na panela. Olhando em volta, percebeu que estava numa casa pequena de barro em formato arredondado, com teto alto e escuro. Havia apenas a cama em que estava deitada, uma mesa muito pequena com cadeiras grandes demais, desproporcionais, também um balcão e um fogão a lenha. A senhora não percebeu que Júlia acordara e continuou concentrada na tarefa.

Júlia se sentou.

— Oh! Ela acordou, mamãe.

Não havia notado a pequena figura sentada numa das cadeiras gigantes. Era uma criancinha magricela com olhos esbugalhados e dedos fininhos apontados para ela. Estava visivelmente eufórica.

A senhora parecia velha demais para ter um filho daquela idade, mas talvez não fosse biológico. Deixou essa ideia de lado quando a velha se virou e caminhou em sua direção.

— Olhe só quem acordou — a velha disse com uma voz doce e rouca.

— Onde estou?

— Está onde está, mas a pergunta é: quem é você?

Ora, Júlia ficou muito confusa com esse questionamento. Como aquela senhora não sabia quem era? Se não sabia, então o que estava fazendo ali?

— Meu nome é Júlia. Não compreendo como vim parar aqui. Você sabe onde estão meus pais?

A Dona do Castelo 1- O Duque de Tão LongeOnde histórias criam vida. Descubra agora