7 - AMIGO ESTOU AQUI

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Júlia agora tinha certeza que estava sonhando. Ela estava num quarto estranho, o espaço parecia distorcido, e sua visão não estava nítida. Havia um ar sombrio.

Não conseguia sentir cheiros, mas sentia presenças, e o sentimento de tristeza pairava no ar. Ela conseguia sentir. A luz estava mais fraca e o tempo parecia passar mais devagar. Seus olhos focavam apenas o centro de sua visão. O resto parecia embaçado e escuro.

A Júlia do sonho via uma Júlia deitada sobre uma maca, com tubos no nariz e nos pulsos que se conectavam com vários aparelhos ao lado. Alguém dormia ao seu lado, com os braços debruçados sobre a perna da Júlia inerte. Os cabelos longos e escuros. Júlia sabia exatamente quem era.

— Luisa! Estou aqui. — Ela tentou correr, com lágrimas nos olhos, pronta para abraçar sua irmã, mas suas pernas não saíam do lugar. Tentou de novo. Sem sucesso.

Uma sensação terrível de pânico tomou conta dela. Não conseguia controlar seu corpo. Luisa permanecia adormecida e Júlia percebeu que ela não conseguia ouvi-la. Ela sentiu-se como um fantasma. A única coisa que podia fazer era observar.

Olhou para suas mãos. Não havia mãos. Não havia pés. Não tinha para onde correr, e nem quem chamar. Ninguém ia ouvir.

— Luisaaaa! Eu estou bem aqui. — Júlia já gritava e balançava os braços que não existiam, chamando atenção. Nada.

Ela tornou a olhar para seu corpo na maca. Apenas a cabeça estava enfaixada, e, até onde Júlia conseguiu ver, estava tudo no lugar. Ela até conseguia sentir. Apenas a cabeça latejava.

Júlia lembrava-se dessa dor. Lembrava também da voz que a chamava. Aquela voz não a perturbava mais. O monitor ao seu lado marcava os batimentos cardíacos e a cada batida uma memória retornava à caixinha de memórias dela.

O que eu estou fazendo ali?

A máquina fotográfica. O shopping. A dor de cabeça. As vozes. O elevador. O que Júlia fazia naquela maca? Se ela estava ali, então quem estava naquele lugar? Quem estava com Dom?

Luisa acordou. Levantou a cabeça e olhou em direção à porta. Arrumou os cabelos e sentou-se na cadeira. Júlia sentiu esperanças de que ela pudesse tê-la visto ou ouvido. Mas não.

Os pais de Júlia, Antônio e Glória, entraram na sala, e Luisa correu para abraçá-los. Júlia queria consolá-la, dizer que estava tudo bem. Que ela ia voltar. Queria contar toda aventura que havia passado, e como ela também teria amado a Cidade de Dentro. Queria apresentar-lhe a Dom, e ter a companhia dela de novo. Parecia-se ter passado muito mais do que um dia. Se ao menos eu pudesse abraçá-la!

Júlia notou os olhos chorosos de sua mãe. Logo ela, que era sempre tão forte e durona. Seu pai a envolvia num abraço protetor. Ambos olhavam para o corpo de Júlia.

— Calma, meu piolhinho. Ela ainda está se recuperando da queda. — O pai de Júlia dizia para acalmar Luisa. — Devemos esperar, que, a qualquer momento, ela vai acordar. Se Deus quiser.

Os três estavam abraçados agora.

— Eu estou aqui! — Júlia esforçava-se para gritar o mais alto que podia. Mas, só de fazer isso, sentiu a linha tênue, que a ligava até ali, quase se desfazer. Sabia que se gritasse assim mais uma vez, seu sonho acabaria. Ela só queria uma abraço.

— Eu tentei! Tentei segurá-la. — Luisa chorava e dizia entre soluços. — Mas ela escapou da minha mão. Ela não viu? Eu não entendo...

— Não é culpa sua, Luisa. Foi um acidente.

— Mas... Eu podia... Eu...

— Shh. — Glória puxou-a para si.

Um enfermeiro entrou na sala, com uma prancheta cheia de papéis. Conferiu os fios e trocou o soro. Anotou várias coisas nos papéis e virou-se para os três.

— A médica está vindo ver se ela fez algum avanço. Apenas uma pessoa pode ficar na sala, — e olhou para Luisa. — Tem que ser maior de idade.

Luisa assentiu com a cabeça, voltou-se para a Júlia desacordada e deu um tchau com a cabeça. Depois retirou-se com seu pai. O enfermeiro foi logo atrás. Agora, na sala, estavam apenas Glória, uma Júlia desacordada e outra invisível.

Sua mãe sentou-se na cadeira e suspirou com as mãos no rosto. Olhava para a Júlia desacordada com muita ternura e lágrimas desciam pela bochecha. Doía para Júlia vê-la assim tão triste.

— Júlia, você tem que voltar, meu amor. Mamãe promete não pegar tanto no seu pé. Você pode fazer a aula de teatro que sempre quis e prometo comprar um jogo novo também, se você quiser. — Ela riu, e limpou as lágrimas. — É claro que quer! Mas, só se você voltar. Mamãe vai comprar todos os doces que você quiser. Eu sei o quanto você gosta. Só... Por favor, volte para nós. Nós sentimos sua falta. E Luisa... Ela precisa de você. Todos nós precisamos.

Júlia não estava preparada para ouvir aquilo. O sentimento de tristeza no ar aumentou significativamente, e Júlia percebeu que era a sua tristeza. Não importava se ela ia fazer aula de teatro ou ter mais livros, se bem que a comida até que era tentadora.

Mas o que ela queria de verdade era abraçar a todos, estar na sua casa. Queria que sua mãe pegasse no pé dela e que Luisa pegasse suas roupas e brincos sem pedir. Queria que seu pai esquecesse do seu aniversário. Queria voltar para casa.

— Mesmo que a senhora não possa me ouvir... Eu vou voltar mamãe. Prometo.

A médica entrou na sala, com pranchetas e mais papéis.

— Boa tarde.

— Boa tarde. — Glória respondeu.

Enquanto ela analisava os monitores, e os outros aparelhos, Glória acariciava a mão de Júlia. A Júlia invisível conseguiu sentir muito de leve o toque. Aquilo foi suficiente para diminuir o sentimento de tristeza no ar e deu lugar à esperança. Até sua mãe parecia mais esperançosa.

Júlia se perguntou se sua mãe conseguia sentir sua presença. A resposta veio logo em seguida, quando Glória ficou com um olhar distante e um arrepio percorreu seus braços. Olhou em volta confusa, depois voltou-se para o corpo de Júlia, e um leve sorriso apareceu em seu rosto.

— Sua filha vai acordar, logo, logo.

— Eu sei. — Ela sorriu. Dava para perceber que estava muito mais confiante, agora.

— Ela teve muita sorte. Vejo tanta coisa por aqui, e muitos não têm a mesma sorte.

Glória apenas assentiu.

— Quem vai ficar como acompanhante?

— Eu fico.

— Certo. O jantar será servido às sete horas. Qualquer coisa pode chamar um enfermeiro na última sala do corredor.

Glória assentiu. A médica se retirou e depois de alguns minutos Antônio e Luísa voltaram para sala.

— Estava conversando com uma família na sala ao lado. Parece que eles estão na mesma situação que a nossa. — Antônio falava com as mãos no bolso. Júlia riu ao lembrar de como ele fazia amizades muito fácil. — Só que a filha deles já está em coma por uma semana.

As vozes foram ficando cada vez mais baixas e a visão foi se fechando. Tudo ficou preto e Júlia sentiu sua consciência mergulhar num mundo vazio e escuro.


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A Dona do Castelo 1- O Duque de Tão LongeOnde histórias criam vida. Descubra agora