Prólogo

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H A R R Y

Esta será a última vez, foi o que pensei quando me despedi dele no aeroporto. A última vez que a beijo. A última vez que a toco. A última vez que vejo seu rosto. E então me virei e fui embora. É o fim. Acabou. Lembro-me vagamente de ter passado pelo portão de embarque e entrado no avião. Alguém sentou ao meu lado, mas não recordo se foi homem ou mulher.

Nada poderia ser mais difícil do que me afastar de Louis.

Isso quase me faz rir agora, se é que podemos chamar de riso o som que sai da garganta quando precisamos engolir em seco, incapazes de nos livrarmos do sabor amargo dos nossos erros. Voltei para Silt com o humor de quem se prepara para um duelo no Velho Oeste. Estava prestes a confrontar meu pai. Ao meio-dia, sacaríamos nossas pistolas. Eu atiraria, o abateria e então... bem, essa era a parte em que evitava pensar. A tela ficaria escura. Fim. Nada.

Nada. Era onde eu viveria depois de tirá-lo da minha vida de uma vez por todas. Dentro da escuridão, eu montaria uma barraca, puxaria um cobertor por cima de mim e aguentaria o tranco. Eu era o xerife, certo? E ele era o bandido. Mas depois que eu o derrubasse, qual seria a minha recompensa? Uma eternidade vazia. De que vale então uma estrela dourada presa na minha camisa?

Tinha certeza de que eu era o xerife da história, mas o que aconteceu quando cheguei foi bem diferente do que eu esperava. Fiz o impossível. Me afastei de Louis.

Só que tudo ficou mais difícil depois disso.

-

L O U I S

O toque de celular de Harry ressoou no quarto escuro, entrando no meu subconsciente. Estou tendo um daqueles sonhos deliciosos: a pele quente dele contra o meu corpo, o peso e o cheiro dele, sua mão deslizando pela minha barriga. Tudo isso lento, quente e Harry... até a canção finalmente penetrar através da névoa do meu sonho e me despertar.

Acordo excitado e furioso, porque sei o que vem a seguir. A sensação ruim no estômago, o dia inteiro tentando não me lembrar daquela enxurrada de memória sensorial. Preciso enfrentar isso e esquecer Harry de vez. No entanto, meu desejo é voltar urgentemente para aquele sonho. Estou tão distraído que pego o celular e deslizo o dedo pela tela antes de registrar o que aconteceu.

Era o toque de Harry. Harry me ligou à uma da madrugada, depois de sumir por dois meses e meio. Se ele me ligou bêbado, vou pegar um avião para o Oregon e dar um chute no saco dele, penso. Mas não é assim que me sinto. Queria que fosse. Queria poder ouvir Harry dizer "Alô?" sem me sentir... assanhado.

Retorno a ligação.

– Alô?

Levanto no quarto escuro, ciente de que cada centímetro da minha pele reage à respiração do outro lado da linha. Tenho muitas lembranças que começam assim. Muitas conversas em que disse a mim mesmo que não faria besteira, mas acabei fazendo. Tenho essa carga imensa de saudade e dor, tão insuportável que posso escutá-la na minha voz quando disparo:

– O que você quer?

– Meu pai morreu.

Minha cabeça clareia em um instante.

– O quê?

– Ele levou um tiro – explica Harry. – Tudo está uma bagunça. Lou, sei que não posso pedir isso, mas simplesmente preciso...

Um barulho o interrompe. Fico ali parado, esperando ele completar a frase. Estou apertando o celular contra a orelha, com a respiração acelerada, com o tipo de clareza que só encontrei em momentos de crise. Mas por que eu deveria me importar com o que ele vai dizer a seguir?

Porque às vezes a razão não está no comando. Ele me deixou. Ele me magoou. Sei disso.

Mas ainda estou ali, segurando o telefone, e sei que entrarei em um avião em poucas horas.

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