Perdoado

568 57 9
                                    

L O U I S

A noite da festa. A música. O barulho. Um centímetro de espuma na minha cerveja, flutuando no copo plástico vermelho. Metade de mim quer ir embora, dar uma volta de carro, correr, fugir do que estava destinado a mim. Harry encostado em uma parede, bebendo do copo dele e observando. Harry inclinado na direção de uma garota, a cabeça inclinada, os lábios se curvando em um sorriso, ouvindo com metade da atenção, com os olhos vasculhando a sala atrás de mim. O olhar dele parecendo uma mão pesada, fazendo uma carícia. A intenção naquele olhar. Quente o bastante para me marcar se eu ficasse parado e o deixasse me atingir.

Mas eu queria que ele olhasse. Eu o queria. Na noite da festa. Na noite antes da festa. Na noite depois da festa. Em todas as noites, eu queria pôr as mãos nele, afundar os dentes nele, misturar nossos corpos, esmagar nossas vidas juntas, ir ao encontro dele e continuar fazendo isso. Continuar fazendo isso porque era uma delícia, porque eu queria, porque não sabia como parar.

Nós havíamos nos encontrado no ano anterior, nos aproximado, mais e mais próximos até estarmos tão próximos que eu não conseguia imaginar a minha vida sem ele. Entramos um no outro, cavamos fundo e nos mantivemos lá, e quando colidimos na minha cama naquela noite, o corpo dele quente em cima do meu – quando sua pele ficou nas minhas mãos –, meus dedos se lembraram de como o agarrar. Meu corpo se lembrou de como o receber, girar em torno dele, puxar seus quadris indo e vindo.

Mas eu chorei quando acabou porque dói nos rendermos a esse tipo de necessidade. Dói vermos a nós mesmos sem defesas e com o bom senso abandonado. Tudo o que eu havia feito desde que ele voltara a Putnam fora em busca daquele momento. Daquela alegria no meu corpo, nossos dois corpos juntos. Meu Deus. Aquele momento doeu. Ali estava a minha verdade, partida em pedaços pequenos o bastante para se ler: ele havia me magoado. Eu estava magoado.

Ele havia me deixado com raiva. Eu estava com raiva. Ele havia me mandado embora e eu ainda sentia a distância, mesmo com o pau dele entrando com força em mim, o rosto dele no meu pescoço, a língua dele na minha boca. Não era mais a mesma coisa. Nós não éramos mais a mesma coisa. Talvez jamais pudéssemos ser os mesmos.

Eu havia dito a Harry que não existem começos, meios e fins. Pense nisso, dissera a ele, porque queria que ele me escutasse. Eu disse a ele que a vida é complicada, que as pessoas são complicadas, porque era nisso que eu acreditava. Era nisso que eu precisava acreditar. Mas dizer isso a Harry - mesmo que fosse verdade - não mudou o fato de que ele havia escrito um fim sobre nós. Escrito com a própria boca no corpo de outra mulher. Ele abriu caminho para dentro de mim, me invadiu, me amou, me beijou e me comeu até eu gozar forte o bastante a ponto de ver estrelas, só que ver estrelas quando estamos sozinhos no mundo selvagem não significa que saberemos segui-las até estarmos seguros.

Ele foi a minha estrela um dia. Mas, naquela noite da festa, chorei porque os céus haviam mudado. Havia estrelas espalhadas através da noite escura, brilhantes e lindas como joias, mas eu não conseguia lê-las. O que eu não compreendi imediatamente – o que descobri naquele inverno, confiando nos meus instintos, confiando em mim mesmo até acreditar nisso dentro de mim – foi que eu não precisava saber o caminho. O mundo selvagem é vida. Não há como sair dele. Isso não importa. O importante é que, daquela noite em diante, Harry estava comigo. Harry estava comigo o tempo todo.

Quando volto a mim, a qualidade do som do andar de baixo mudou. Não está mais tão ruidoso, a música está lenta e psicodélica, há vozes conversando, risos em vez de gritos. A festa está chegando ao fim. Eu chorei até dormir, ou até entrar em um estado de estupor. Harry está com um braço por cima de mim. Está bom - não muito pesado, nada de mais. Mas diferente. Ele está muito maior do que estava na primavera.

Posso sentir o peso da diferença contra o meu peito, encaixado nas minhas costelas. De onde estou deitado, vejo o céu através da janela. Ele está acordado. Sei disso pela forma como o sinto nas minhas costas. Eu me viro, levantando o braço que está entre os nossos corpos e deixando o pulso cair na testa, como se pudesse ser útil me proteger da visão do rosto dele tão próximo.

IntensoOnde histórias criam vida. Descubra agora