A Fronteira

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L O U I S

Há poucas coisas na vida tão fantásticas como bloquear outro ser humano. Está no topo da minha lista de coisas fisicamente agradáveis, logo abaixo de orgasmos. E, às vezes, acho que é até melhor, embora eu tenha que admitir que também vem com uma probabilidade maior de levar um chute na cara. Na primeira vez que derrubei outro cara na quadra de rúgbi, senti como se tivesse decifrado um código. Roubado um segredo que os homens haviam guardado de mim. Porque o que acontece é que os caras fazem isso parecer difícil, como se bloquear alguém exigisse raiva cega ou enchimentos nos ombros. Nós ficamos vendo das arquibancadas, tomando chocolate quente na plateia, e jamais há qualquer sugestão de que a atividade possa ser para nós. Que podemos ter o que é preciso para também fazer isso.

Eu costumava ser um garoto bonzinho. Ficava sentado nas arquibancadas. Seguia as regras, me esforçava para tirar apenas A, namorava um cara legal e o fiz esperar muito tempo pelo sexo. Não era o que eu queria, mas parecia a coisa certa a fazer na ocasião. Todo garoto inteligente e bonzinho cresce pensando que, se seguir as regras, o mundo lhe dará o que ele quer. Então nós nos organizamos e esperamos.

Mas nunca ninguém aparece para entregar os prêmios. E, quanto mais esperamos nessa fila, maior a probabilidade que temos de receber uma ração de merda após outra. Ser um bom menino não funcionou para mim. No fim do meu penúltimo ano em Putnam, não sou mais esse garoto. Saí da fila. Eu me tornei outra pessoa. Estou engajado diariamente no processo de me tornar eu mesmo, e uma das coisas que compreendo agora e que não compreendia então é que toda atividade é possível para mim. Toda e qualquer coisa que eu possa querer está disponível para mim se eu estiver disposto a fazer o que é preciso para tê-la.

Às vezes, será desagradável. Às vezes, as pessoas irão me odiar por isso. Mas tudo bem. Tudo bem, porque em uma manhã de domingo de abril no campo de rúgbi da universidade posso sentir a maciez da terra sob as minhas travas. Sinto o cheiro de esterco, pungente e doce, no vento que balança o cabelo do meu rabo de cavalo. Posso olhar para a lateral do campo e ver Zayn, Gemma e Harry sentados sobre uma manta. O branco do sorriso de Zayn. A luz do rosto de Gemma quando Zayn a provoca e Harry desarruma seus cabelos, fazendo cócegas até ela cair, rindo, sobre suas pernas.

Posso olhar para a direita e ver o meu amigo Niall, grande e forte, absurdamente engraçado. Posso olhar para a minha esquerda e ver a meu amigo Liam, leve, forte e adorável, nervoso por ser a primeira vez que consegui levá-lo até o campo para tentar jogar. Eu disse para ele não se preocupar. Bloquear outro ser humano é fácil. Tudo o que é preciso é estar disposto a se atirar nas pernas do outro e recusar-se completamente a soltar. Só isso.

Juro por Deus. Não sou grande nem forte, mas sou capaz de derrubar um cara de 150 quilos apenas com a minha força de vontade. Sou capaz de derrubar uma porra de um elefante. Diante de nós está um time de estranhas usando camisetas vermelhas e pretas, as bocas sérias, os rostos vermelhos e os cabelos desalinhados pelo vento, e eles vão fazer isso também.

Faremos isso. Vamos atirar a bola, apanhá-la e correr o mais rápido que nossas pernas nos levarem. Sairemos correndo atrás de quem estiver com a bola, nos jogaremos no ar até ele cair e ficarmos sem fôlego, suando, em um emaranhado de pernas, braços, terra, grama e saibro.

Eu tenho o que preciso para conseguir o que quero. Sempre tive. Todos temos. É o que digo a Harry quando ele perde a fé. É o que sempre direi a ele. É o que vou dizer a Gemma quando ela me perguntar, quando duvidar de si mesma, quando precisar ouvir isso. Não é preciso nada de especial para lutar contra o mundo e todas as formas como ele quer nos encaixotar, nos levar para baixo, nos limitar e nos impedir de progredir. Tudo o que precisamos saber é para quem queremos realizar.

Precisamos saber com quem queremos estar e de que abriremos mão por eles. Precisamos nos permitir querer com o máximo de força, o mais profundamente possível, mesmo que seja assustador. Mesmo que nossos desejos e nossas necessidades sejam inesgotáveis e nosso medo seja tão grande que dificulte até a respiração. Porque, no fim, o medo não tem importância. A dor não tem importância. Levamos chutes no nariz e o desastre do golpe percorre o nosso rosto e berra através do sistema nervoso, mas depois acaba. Aí estamos do outro lado, um golpe mais perto da vida que queremos.

IntensoOnde histórias criam vida. Descubra agora